A Atualidade da Luta Anticapitalista

Você gostaria de viver em um mundo sem violência? Um mundo onde não houvesse mais moradores de rua e pessoas passando fome ou outras formas de necessidade? Um mundo onde a fauna, a flora e todos os conjuntos que compõem a nossa natureza estivessem em plena harmonia com a vida da espécie humana? A resposta positiva para esses questionamentos são parte da empatia que existe na humanidade e do repertório que compõe a espécie humana através da história. A esperança e o sonho de um mundo melhor foi fundamental para grandes transformações na sociedade e isso não é papo de comunista.

Se estamos aqui neste exato momento, foi porque muitas pessoas agiram através dos seus sonhos para tentar construir um mundo melhor. A revolução Francesa, que é a base histórica para a sociedade onde estamos inseridos hoje, carregou como bandeira o lema da liberdade, igualdade e fraternidade. Para provar que isso não é papo só de comunista, todos os grandes intelectuais que se puseram a refletir sobre a sociedade, surgiram a partir das ideias desta transformação que foi a revolução Iluminista. Ela colocou a humanidade em primeiro lugar, não tornando-a mais refém de poderes absolutos de uma única pessoa, alterando todos os aspectos da vida cotidiana do indivíduo. Georg Simmel, por exemplo, afirma que “O motivo metafísico básico que encontra expressão durante o século XVIII na demanda prática por ‘liberdade e igualdade’ é o seguinte: o valor da configuração de cada indivíduo é, com certeza, base apenas nele, em sua responsabilidade pessoal, mas junto com isso. Baseia-se no que o indivíduo tem em comum com todos os outros” (1).

Essa perseguição pela liberdade de todos os indivíduos visa um sentimento básico: O da felicidade. Em 1963, Martin Luther King no seu famoso discurso “Eu tenho um sonho (I Had a Dream)” falou: “Quando os arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam a assinar uma nota promissória da qual todo americano seria herdeiro. Essa nota foi uma promessa de que todos os homens teriam garantia aos direitos inalienáveis de ‘vida, liberdade e à procura de felicidade’. É óbvio que a América de hoje ainda não pagou essa nota promissória no que concerne aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar esse compromisso sagrado, a América entregou ao povo negro um cheque inválido devolvido com a seguinte inscrição: ‘Saldo insuficiente’.

E hoje estamos em 2019, e é necessário questionar: os EUA pagou essa nota promissória à população negra? O lema “liberdade, fraternidade e igualdade” foi posto em prática? O capitalismo conseguiu proporcionar aos cidadãos uma liberdade em conjunto com a boa qualidade de vida das pessoas? O capitalismo conseguiu coexistir em harmonia com a natureza? O capitalismo não consegue responder esses questionamentos de forma positiva. Olhe o mundo ao seu redor, o que você enxerga? Quais são os seus desejos hoje? De ter um emprego bom? Uma casa? O capitalismo é incapaz de trazer a felicidade coletiva. Incapaz de trazer a justiça social e a paz. É impossível conquistar isso dentro de um sistema que precisa de uma massa de pessoas desempregadas para ter sempre disponível mão de obra precarizada. Ele se alimenta da desigualdade, da guerra e da natureza.

Sobre a desigualdade: de acordo com um estudo feito pelo World Wealth and Income Database, codirigido por Thomas Piketty (autor de O Capital no Século XXI), entre 2001 e 2015, os 10% mais ricos do Brasil aumentaram sua renda de 54% para 55%, enquanto os mais pobres ampliaram sua participação de 11% a 12% da renda nacional. O crescimento econômico desse período foi sequestrado pelos 10% mais rico, que ficaram com 61% da expansão observada, enquanto a parcela mais pobre ficou com apenas 18% (2). Enquanto isso, os quatro maiores bancos do país com ações listadas na Bolsa (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander) lucraram, juntos, R$ 69 bilhões no ano passado, maior valor da história, segundo a Economatica, empresa especializada no fornecimento de dados financeiros (3). Quanto mais os bancos lucraram, mais a desigualdade cresceu.

Sobre a guerra: assim como os bancos, o lucro líquido da fabricante de armas Taurus mais que triplicou no primeiro trimestre de 2019 na comparação com o mesmo período do ano passado. O lucro líquido foi de R$ 1,2 milhão nos três primeiros meses de 2018 para R$ 4 milhões no dado mais recente, uma alta de 239,3% (4). Então, é importante para o capitalismo que pessoas morram e sejam presas, pois quanto mais bala for disparada, mais bala será comprada. Por isso, a solução apresentada para resolver a violência é sempre com mais violência, retroalimentando um ciclo infinito de benesses para empresas que lucram com o sangue das pessoas. E se prender ou matar resolvesse algum problema, hoje nós seríamos um paraíso, pois somos o 3º país no mundo com a maior população carcerária (5).

Sobre a natureza: São Paulo anoiteceu às 15h da tarde no dia 19/08, por causa dos incêndios criminosos provocados na floresta amazônica (6). Chegou a cair uma chuva preta (7), mostrando que os impactos na natureza, mesmo em lugares distantes, afetam todo o ecossistema, não só na América do Sul, mas em todo o mundo. A lógica por trás dos incêndios é a de expansão do agronegócio, pois já que o sistema vive do consumo ilimitado e da ganância do lucro, ele acaba esbarrando na limitação dos recursos naturais e do meio-ambiente. Nós precisamos da natureza para vivermos como espécie humana. Não se trata apenas de salvar plantas e animais. Precisamos compreender que sem eles não há ser humano na terra. E o capitalismo, em conjunto com o negacionismo científico — expresso no governo Bolsonaro, com discursos que beiram ao pré-Iluminismo -, poderá levar ao fim da nossa espécie.

Pois bem, nossos sonhos devem ser redirecionados. A luta anticapitalista não é apenas para acabar com a divisão de classes. É também para salvarmos a espécie humana. Por isso, não há opção para uma esquerda que acredita no parlamentarismo como solução dos problemas e aposta em medidas neo-desenvolvimentistas. O que nos resta é a apresentação de um programa que não tenha medo de falar para a sociedade sobre o ecossocialismo e a radicalidade da luta que o momento atual nos exige. Se for para sonharmos, que seja como Lênin falou: “É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles”.

Fontes:

(1) Simmel, Georg. “Freedom and the Individual”. Em: On Individuality and Social Forms. Chicago, The University of Chicago Press, 1971 [circa 1913, póstumo], pp. 217–226.

(2) https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/09/1916858-desigualdade-no-brasil-nao-caiu-desde-2001-aponta-estudo.shtml

(3) https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/02/14/lucro-dos-maiores-bancos.htm

(4) https://economia.uol.com.br/cotacoes/noticias/redacao/2019/05/14/taurus-lucro-primeiro-trimestre.htm

(5) http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-brasil-sobe-de-622202-para-726712-pessoas

(6) https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/08/19/dia-vira-noite-em-sao-paulo-com-chegada-de-frente-fria-nesta-segunda.ghtml

(7) https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/08/20/moradores-de-sp-coletam-agua-preta-de-chuva-em-dia-que-a-cidade-ficou-sob-nuvem-escura.ghtml

Renato Cinco

sociólogo, vereador ecossocialista e libertário, pelo PSOL Carioca

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