Equador em chamas!

A insurreição popular equatoriana recolocou de maneira épica o protagonismo da luta de classes na História. Mais uma vez, tudo que parecia sólido desmanchou-se no ar. O governo de Lenín Moreno, que impunha à população um draconiano ajuste econômico do FMI, em aberta traição à decisão das urnas, desabou. Moreno virou um morto-vivo.

A crise social aguda não permite a estabilização da ordem. O caso equatoriano é emblemático. Os ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores tornam a vida infernal. A absoluta falta de perspectiva, mais dia, menos dia, impulsionará quem não vive da exploração do trabalho alheio a se engajar na luta social e a buscar alternativas.

O movimento popular equatoriano tem uma longa tradição de derrubar governos neoliberais. Nas últimas duas décadas, foram quatro: Abdalá Bucaram (1997), Jamil Mahuad (2000), Gustavo Noboa (2003) e Lúcio Gutiérrez (2005). Paradoxalmente, a substituição de presidentes antipopulares não abalou os alicerces da dominação oligárquica, não significou uma melhoria substancial nas condições de vida da população, nem, como se viu, evitou a volta de políticas neoliberais.

O governo “progressista” de Rafael Corrêa, o grande herdeiro das lutas populares do início dos anos 2000, não enfrentou as estruturas responsáveis pelas mazelas do povo. Apesar de ter feito a auditoria da dívida externa, aliviando significativamente as restrições cambiais ao crescimento, e não obstante ter introduzido mudanças democratizantes na Constituição Nacional, fortalecendo a soberania popular, as relações de produção e as bases sociais do Estado, pilares do padrão de exploração e dominação, permaneceram intactas.

Para além de questões morais e psicológicas, o que explica a surpreendente guinada de Lenin Moreno do núcleo duro do “correísmo” ao neoliberalismo selvagem é a exaustão da possibilidade de conciliar os interesses de classe. Sob o impacto devastador do fim do boom de commodities, determinado pela inflexão na conjuntura internacional, o Estado equatoriano foi rápida e facilmente enquadrado aos novos imperativos do ajuste ortodoxo.

A alternância de governos “progressistas” e “reacionários” faz parte da história latino-americana e é funcional à dominação burguesa. A ilusão de que existe alternativa dentro da ordem bloqueia a crítica à ordem. Sem romper a polarização binária entre a esquerda e a direita da ordem, é impossível fugir do circuito fechado do capitalismo dependente.

Não é só o Equador que é um barril de pólvora. Sem horizonte civilizatório para enfrentar os problemas sociais e ambientais, a sociedade capitalista entra em convulsão. Os interesses estratégicos e imediatos do capital e do trabalho tornaram-se irredutivelmente irreconciliáveis.

Consciente de que não tem nada a oferecer aos trabalhadores, a burguesia organiza a luta política em escala planetária como uma contrarrevolução permanente. Na batalha das ideias, impôs o consenso do fim da História. Sem sujeito revolucionário, sem a igualdade substantiva como horizonte estratégico e sem violência revolucionária, a política fica circunscrita à miséria do possível.

O desafio de nosso tempo é vencer o mito do fim da História, construir o poder popular e levar a utopia emancipatória dos trabalhadores às últimas consequências. Sem um projeto político alternativo, a força transformadora dos movimentos sociais fica esterilizada e acaba dissipando-se nos parâmetros da ordem estabelecida. Não há meio-termo, é socialismo ou barbárie.

A revogação do Decreto 883, que impunha um “tarifaço” nos combustíveis, representa uma grande vitória do movimento social, mas não encerra a grave crise política equatoriana. A desmoralização do governo Lenín Moreno é irreversível. As ruas não aceitam as políticas antissociais, antinacionais e antidemocráticas do FMI. As classes subalternas emergem como sujeito político. Todo apoio ao povo equatoriano! Fora Lenín Moreno! Fora FMI! Pela construção de uma Assembleia dos Povos!

Contrapoder, 14 de outubro de 2019

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