Resenha de livro: “A Ofensiva do Conservadorismo: Luta de Classes e Crise do Socialismo”

O livro intitulado “A Ofensiva do Conservadorismo: Luta de Classes e Crise do Socialismo”, de autoria de Rene José Keller, examina o processo de ascensão do conservadorismo, abordando como a guinada à direita repercute diretamente para o recuo do projeto socialista emancipatório. A primeira parte do estudo é dedicada a investigar o contexto sociopolítico do golpe de 2016, examinando quatro aspectos centrais para o término antecipado dos governos petistas: a) crise econômica; b) crise política; c) crise moral (escândalos de corrupção); d) manifestações populares da direita.

A segunda parte aborda a atualidade, ou esmorecimento, de determinadas categorias centrais da tradição marxista, à luz do estágio atual de reprodução da sociabilidade capitalista no Brasil, em pormenor no contexto de ascensão do conservadorismo. O desígnio é escapar de um marxismo autocontemplativo, que mais se assemelha a uma teoria tradicional, quando examina as categorias unicamente em abstrato, deslocadas da materialidade da vida social e do tempo histórico. Põe-se em dinâmica, portanto, discussões acerca da (i) classe trabalhadora e a crise da subjetividade revolucionária; (ii) a redimensionalização da luta de classes e a natureza de dominação estrutural do capital; (iii) a mitigação da alienação/estranhamento nos marcos do ideal social vigente; (iv)o avanço da capacidade de dominação exercida pela ideologia transmitida pelos aparatos tecnológicos.

A terceira parteinicia com um apanhado de fatos acerca de Junho de 2013, sem a pretensão de seguir uma linearidade dos acontecimentos, tendo em vista que é examinado à medida que constitui chave explicativa para o golpe de 2016. O objetivo é entender como as manifestações dos movimentos de direita, que condicionaram a queda da ex-presidenta Dilma Rousseff, foram impulsionadas a partir de lacunas deixadas por Junho de 2013. A hipótese trabalhada é que a raiz do Golpe de 2016, a eleição de Bolsonaro em 2018, bem como o avanço do conservadorismo, têm como procedência os levantes de Junho de 2013. Ainda, busca compreender o processo social de ascensão de um governo “neofascista neoliberal” em 2018, com a eleição de Bolsonaro.

Por fim, a terceira parte tem como premissa a polêmica percepção de que a ideia de socialismo incursiona nesse século XXI oscilando entre a alta carga de criminalização e o esquecimento popular. A recuperação da vitalidade histórica demanda que se façam reformulações para acompanhar as lutas sociais que se dinamizam, incluindo a compatibilização teórica entre as pautas de reconhecimento e redistribuição radical. Com isso, deve-se abrir o leque de se pensar a emancipação humana como uma questão afeita eminentemente à esfera econômica, passando a abranger as diversas formas de opressão que se particularizam na sociabilidade capitalista.

Deve-se precaver o leitor que não existe a preocupação de proceder, a todo custo, a afirmação da atualidade das categorias examinadas, como se este procedimento fosse o recurso prescrito para que se mantenha a vitalidade da teoria marxista, evitando que a construção desmorone pela falta de sustentação dos seus elementos constitutivos. Avocar-se do marxismo é, antes de tudo, promover uma crítica radical da sociabilidade capitalista na direção da sua superação. O cumprimento desse propósito não deve ser acompanhado de uma visão antidialética de congelamento histórico das suas categorias, senão oxigená-las à luz dos renovados desafios que o modo de produção capitalista cotidianamente nos impõe, bem como tendo por base a complexificação das relações sociais e do mundo do trabalho.

No prefácio assinado pelo professor e militante Mauro Iasi é possível aferir a intencionalidade do debate promovido no livro: “O trabalho de Rene Keller consiste em um polêmico estudo sobre as lutas sociais e a perspectiva socialista na contemporaneidade. […] O caráter polêmico se apresenta, em primeiro lugar, pela virtude do autor em não se ater aos termos bem-comportados do debate, repetindo o que é comumente aceito como certo e se permitindo questionar verdades estabelecidas. Devemos destacar que o ponto chave da argumentação que orienta o presente estudo se encontra na preocupação que a forma e o conteúdo do discurso socialista corre o risco de perder sua atualidade e correspondência, caso fique preso à dogmas e formulações anacrônicas. Este ponto de partida não pode ser compreendido como um abandono da crítica contra o capitalismo e a sociabilidade burguesa, pelo contrário, é um alerta da necessidade de atualizá-lo em novos termos. […] Bem-vindos à crítica, vamos à leitura dos que incomodam a certeza daqueles que estão vivos, os mortos já tiveram o bastante”.

Referência:

KELLER, Rene José. A Ofensiva do Conservadorismo: luta de classes e crise do socialismo. Vol. II. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

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