Adriano Dias, Oposição dos Correios, CST — PSOL
Diego Vitelo, Diretor do Sindicato dos Metroviários, CST-PSOL
Como parte de uma onda de lutas internacionais que percorre vários países, o continente latino-americano foi sacudido por uma onda de mobilizações nos últimos dois meses. Equador e Chile são a “ponta de lança” de um processo profundo, que impacta em maior ou menor medida todos os países do nosso continente. O fio que liga essas mobilizações de milhões é o enfrentamento ao ajuste fiscal ditado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que significa mais cortes de direitos e piora dos serviços básicos para a ampla maioria das populações. São os jalecos amarelos na França, a rebelião em Hong Kong, protestos no Iraque, Líbano, Haiti, dentre outros países.
Os recentes protestos no Chile e no Equador mostram o caminho e a efetividade de mobilizar nas ruas, fazendo os governos recuarem e criando fortes crises nos regimes políticos dominados pela burguesia. Mostram também que as massas seguem em luta internacionalmente, diferentemente do que previa uma parte da esquerda e da centro-esquerda. O impacto dessas mobilizações em nosso continente vai além, e a própria imprensa brasileira vem noticiando o temor de Bolsonaro, Paulo Guedes, Dória e da cúpula militar de que essa onda chegue ao Brasil e a ameaça de retomar o AI-5 como instrumento de repressão às mobilizações.
Equador: A repressão não segura os protestos e Lenin Moreno foge para depois recuar
O pacote apresentado pelo governo era brutal. No transporte, propôs um aumento de mais de 123% no preço dos combustíveis e fim dos subsídios estatais, o que desencadeou um aumento nas tarifas de transporte em todo país. No mesmo pacote, o presidente ainda propunha a diminuição das férias remuneradas de 30 para 15 dias, contratos de trabalho de apenas 12 meses (que havia sido proibido em 2016), redução de 20% do salário dos servidores públicos, entre outras medidas.
As mobilizações estouraram no início de outubro e rapidamente se alastraram pelo país. Uma rebelião indígena e popular entrou na cena política. Apesar de sua política vacilante, a CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador), assume a frente das mobilizações junto com a FUT (Frente Única dos Trabalhadores).
Frente às mobilizações e greves, a repressão não tardou em começar e a política criminosa do governo equatoriano deixou dezenas mortos e centenas de feridos, tentando também impor um toque de recolher. Porém, na verdade o que a repressão fez foi “jogar gasolina no fogo”.
A indignação aumentou ainda mais e os protestos se fortaleceram. Uma semana após o início das manifestações, a pressão em Quito era tão brutal que o presidente teve que fugir da capital para Guayaquil, onde instalou uma nova sede do governo, provisoriamente.
Finalmente, no dia 13 de outubro Lenin Moreno recua e retira seu pacote antipopular. As ruas e praças de todo Equador são tomadas por um clima de festa popular.
Uma rebelião popular questiona o ajuste e a repressão do governo Piñera
O Chile há 30 anos vem sendo um laboratório do neoliberalismo na América Latina. Desde quando o assassino e genocida Pinochet comandava o país, privatizações e retirada de direitos levaram a maioria da população chilena ao endividamento e falta dos direitos básicos. A constituição segue sendo a mesma do período, e o modelo econômico foi continuado pelos governos que vieram depois, incluído os governos da “concertacion” liderada pelo falso socialismo de Bachelet. Esse modelo sempre foi dado pela direita do continente como o “grande exemplo” a ser seguido. Por exemplo, o transporte no Chile é caro e em sua maioria privatizado, como é o caso do Metro de Santiago, cujo aumento da tarifa foi o estopim dos protestos.
Esse projeto está em cheque desde o dia 18 de outubro, onde gigantescas manifestações tomaram conta do país. Apesar do estopim das manifestações ter sido o aumento da tarifa do Metro em 30 pesos, o modelo implantado no país há três décadas é questionado nas ruas. A palavra de ordem “Não são 30 pesos, são 30 anos” resume esse questionamento.
O governo de Sebastian Piñera, assim como o de Lenin Moreno, desencadeou uma feroz repressão contra os manifestantes. No Chile o processo segue em aberto. As massas seguem nas ruas exigindo o “Fora Piñera” e enfrentando uma duríssima repressão.
Apostar nas mobilizações nas ruas é o que deve fazer a esquerda do nosso continente
As grandiosas mobilizações e rebeliões que ocorrem no mundo e na América latina são a expressão de uma indignação acumulada devido a piora nas condições de vida dos trabalhadores e da população. Essas rebeliões demonstram que prevalece a máxima de que os de baixo não aceitam viver mais na pobreza, desemprego, aposentadorias miseráveis com serviços essenciais privatizados e os de cima não podem governar como antes aplicando todo o pacote de ajuste.
Vivemos no último período duros ataques contra os direitos do povo latino-americano. Junto a isso, vimos eleições de governos abertamente de direita como Piñera e Macri, e também de um governo de extrema-direita no maior país do continente: Bolsonaro no Brasil. Além disso, a crise brutal do modelo de conciliação de classes na Venezuela, Bolívia, Argentina e Brasil, levou a um discurso de que as massas na América Latina estavam girando à direita, não queriam mais lutar e preferiam governos que as atacassem mais. Por isso, afirmavam que não veríamos grandes lutas nos países que votavam em políticos de direita. Esse é o resumo do que chamamos de tese da “onda conservadora”. Não compartilhamos dessa tese.
Em nenhum momento negamos que vários países, como o Brasil, por exemplo, elegeram governos mais à direita e conservadores. Porém, isso não anulava que as lutas iam seguir, pois amplas parcelas da população fariam rapidamente suas experiências com os “novos” governos e não aceitariam perder direitos sem lutar. Um ponto fundamental é que muitas vezes essa vitória eleitoral da direita foi baseada num voto de protesto profundamente equivocado, pois repudiava a falsa esquerda e seu projeto de ajuste e corrupção votando na direita. Frente aos acontecimentos recentes no Chile e no Equador, afirmamos que não há outro caminho para a esquerda senão apostar nas ruas, nas lutas, greves e mobilizações contra todos os governos que atacam seus povos.
Qual o papel das direções nessas lutas?
É fundamental analisarmos o papel das direções em todos esses processos de luta. Por exemplo, no Chile, a oposição parlamentar do Partido Socialista, Partido Comunista e da Frente Ampla já vinham pactuando medidas junto com o governo no congresso nacional e fazendo uma oposição parlamentar tímida e bem-comportada. Agora, em meio à rebelião popular são contra o Fora Piñera e apostam em canalizar tudo para acordos dentro da institucionalidade. Mas não conseguem impor essa política. No parlamento, membros da base de apoio à Piñera costuraram um acordo com a oposição que envolve o Partido Socialista da ex-presidente Michele Bachelet e parte da Frente Ampla para votar uma nova constituição para deixar o assassino que preside o país no seu cargo. Uma enorme traição aos que protestam nas ruas.
No Equador a CONAIE apesar de ter convocado as mobilizações acabou canalizando o processo de luta para uma mesa de negociação com o presidente Lenin Moreno. Ou seja, não aprofundaram a mobilização para derrotar de vez todo o modelo vigente no país e impor as reivindicações que deram origem ao levante de 2019. Nem utilizaram a organização popular alcançada na luta para auto organizar os indígenas, trabalhadores e estudantes.
Por uma alternativa da esquerda classista e socialista
As mobilizações mostraram muita força e conquistaram vitórias. Mas é evidente que, como analisamos no ponto anterior, as direções são obstáculos importantes para o avanço dos processos de luta porque impedem o desenvolvimento mais agudo das mobilizações, usando da sua influência para trair o movimento. A política de conciliação de classes e de confiança nas instituições burguesas é um desastre que acaba ajudando a burguesia na aplicação dos seus planos contra os trabalhadores, inclusive algumas dessas experiências desastrosas levaram à vitória eleitoral governos de extrema direita.
Apesar de defendermos a unidade de ação contra os governos do ajuste é muito importante apontar a necessidade de construir uma alternativa dos de baixo que defenda a ruptura com esse regime dos ricos e exploradores, que concentra as riquezas nas mãos de poucos, enquanto a maioria da população padece na miséria, apresentando um programa alternativo que parta do não pagamento da dívida e do fim dos acordos com o FMI, da reversão de todas as medidas de ajuste e das privatizações, do combate a corrupção.
A tarefa de superar a crise de direção não é simples, mas é essencial. E a realidade de lutas mundiais e processos de greves, rebeliões e levantes populares oferece uma grande oportunidade para continuarmos batalhando pela construção de uma nova direção para o movimento de massas e por um governos dos trabalhadores e explorados.
Uma tática a serviço da construção de uma alternativa classista e socialista é a Frente de Esquerda. Na Argentina temos o exemplo da FIT-U (Frente de esquerda e dos Trabalhadores-Unidade ) que se converteu em um importante polo combativo contra a conciliação de classes.
Desde a UIT-QI impulsionamos a proposta de unidade dos revolucionários. É mais que necessário construirmos uma alternativa política que supere as direções reformistas e contrarrevolucionárias que acabam sendo um obstáculo para derrotar os governos e a política de fome aplicada contra os trabalhadores a nível mundial.