Em O Capital, sua obra-mestra, Marx (1818–1883) combina análise histórica e lógica, ostentando o subtítulo esclarecedor de “crítica da economia política”.
“Todo começo é difícil, e isso vale para toda ciência.” A advertência de Marx está no terceiro parágrafo do prefácio da primeira edição do Livro I de O Capital. Mas, já no parágrafo seguinte, o autor sossega seus leitores: “com exceção da seção relativa à forma de valor, não se poderá acusar esta obra de ser de difícil compreensão”. Desde que observada uma ressalva: “pressupondo, naturalmente, leitores desejosos de aprender algo de novo e, portanto, de pensar por conta própria”.
Ler O Capital não é uma tarefa fácil nem difícil, mas exigente. E esse é o desafio para quem aceita o convite ao estudo da grande obra de Marx, o que pode propiciar uma leitura em palimpsesto, na qual desiguais camadas de percepção, sensibilidades e enfoques disciplinares multifacetados dialoguem.
Marx foi filósofo, não economista. O Capital, por sua vez, não é um livro de economia, mas uma crítica aos economistas burgueses. E isso porque Marx não fez uma proposta de como gerir o capitalismo, de como restaurar o dinamismo do sistema ou de como superar suas crises e encontrar o seu ponto de equilíbrio, nem mesmo de como reformá-lo ou torná-lo mais “humano”. (Entre outros economistas, quem tentou fazer isso foi lord Keynes.) Por isso, não há nem pode haver uma economia marxista do capitalismo. Marx não é reformista. É radical. Ele se propõe a abolir o sistema capitalista e a substituí-lo por um novo, socialista.
Mas, se Marx não é um economista do capitalismo, tampouco é um economista do socialismo. Ele não se propôs a dar receitas prontas para a gestão de uma futura sociedade socialista. Apenas apontou algumas ideias muito gerais sobre a sociedade futura. Às críticas da Revista Positivista, que cobrava dele que fosse mais preciso em suas caracterizações da sociedade alternativa à capitalista, Marx respondeu que não estava disposto a “preparar receitas para os caldeirões do futuro”.
O Capital: crítica da economia política são originalmente três livros. O Livro I: o processo de produção do capital (publicado em 1867) foi o único que Marx concluiu. O Livro II: o processo de circulação do capital (publicado em 1885) e o Livro III: o processo global da produção capitalista (publicado em 1894) foram concluídos por Engels. Inicialmente, Marx projetara acrescentar a cada capítulo teórico um excurso sobre a história da teoria. Desistiu da ideia e desse material surgiu o Livro IV, Teorias do mais-valor, publicado em 1905–1910 por Kautsky.
Marx publicou a primeira edição do Livro I de O Capital em 1867, em alemão. Publicou uma segunda edição alemã em 1872–1873. A Seção I: Mercadoria e dinheiro, na primeira edição, era um capítulo único. Na segunda edição, a seção foi reescrita dando lugar a três capítulos: A mercadoria (Capítulo 1), O processo de troca (Capítulo2) e O dinheiro ou a circulação de mercadorias (Capítulo 3). A partir da segunda edição alemã, o Livro I ficou com sete seções, englobando 25 capítulos. Há ainda uma edição francesa publicada em fascículos, em 1872–1875. Esta foi a última edição publicada por Marx.
Após a morte de Marx, Engels (1820–1895) publicou uma terceira edição alemã do Livro I, em 1883, na qual incorporou material da edição francesa. E ainda uma quarta edição, com mais material da edição francesa, em 1890. Essa quarta edição alemã é geralmente a utilizada nas traduções atuais.
Por encomenda de Marx, Engels editou postumamente o Livro II: o processo de circulação do capital, e o Livro III: o processo global da produção capitalista. Estes livros foram concluídos por Engels, e muitos especialistas consideram adequado indicar a participação de Engels na autoria deles, sobretudo do Livro II, para o qual Marx deixou um material bastante fragmentado.
À guisa de informação, vale situar no tempo o trabalho de composição dos textos por Marx;
- O Livro I foi escrito entre 1866 e 1875.
- O Livro II, foi redigido entre 1868 e 1881.
- O Livro III, foi composto entre 1864 e 1865.
O Livro III dispunha de um material inconcluso, mas razoavelmente articulado. Não era o caso do Livro II, o que certamente deu mais trabalho para ser editado.
Antes de O Capital, Marx escreveu as 11 Teses sobre Feuerbach, provavelmente em 1845. A décima-primeira tese foi a que ficou mais famosa: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras; mas o que importa é transformá-lo”. Proclama-se aqui o primado da práxis, da atividade humana como unidade entre teoria e prática. A vida e a obra de Marx dão prova de um pensamento vinculado à ação. Em seguida, Marx e Engels esceveram O Manifesto de 1848, quando postularam claramente a hipótese comunista.
Uma leitura marxista da obra de Marx nos obriga a considerar com atenção o seu teor ontologicamente subversivo e revolucionário. O Capital como totalidade — isto é, entendido como um todo no seu contexto — é a fundamentação teórica da hipótese comunista.