O Governo Bolsonaro é a expressão acabada da democracia brasileira com suas duas facetas mais cristalinas: a farsa e a tragédia. O resultado das eleições de 2018 estão viciadas, comprometidas, embora no horizonte prático da luta política institucional essa constatação não tenha mais serventia. Questionamentos dessa ordem não mudaram o curso da história, mas podem auxiliar no diagnóstico mais preciso da conjuntura brasileira e da crise que atravessamos.
Além do uso comprovado de Fake News pagas e disparadas em massa pelo aplicativo Whatssapp, as recentes reportagens do The Intercept Brasil deixou nu o paladino da moral, o ex-juiz e atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro. É absolutamente claro que a Operação Lava Jato instrumentalizou o combate a corrupção para impedir que o ex-presidente Lula (que liderava as pesquisas de intenção de votos) disputasse as eleições de 2018. O Sérgio Moro coroado como Ministro é prova cabal de um prêmio conferido a um serviçal.
Neste sentido, é correto afirmar que o Governo Bolsonaro é o resultado de uma farsa e o próprio Governo que ataca instituições civilizacionais da sociedade brasileira, como a Previdência Social e as universidades, expressam a tragédia de um Governo reacionário, neofascista e anticivilizacional, aprofundando a barbárie capitalista. Contudo, é importante apontar o atual momento como resultado histórico de uma democracia que já é farsa e tragédia, desde seu processo de formação.
O Brasil é um país marcado pela violência. Os episódios de selvageria que caracterizam o processo histórico brasileiro são muitos: entre a colonização e o fim do império, o país viveu a ferocidade do genocídio indígena, adotou a escravidão como principal modo de produção por quase quatro séculos, levando a morte milhões de negros e índios.
Hoje os ataques aos indígenas, os corpos negros abatidos nas periferias pela máquina de matar em que se converteu os aparelhos de segurança do Estado, os índices de feminicídio e as mortes de LGBT’s e a falência do modelo de segurança brasileiro são a continuidade de um longo processo histórico que a democracia brasileira não foi capaz de reverter ou responder a altura.
A democracia brasileira contemporânea, resultado de um pacto entre elites e de uma transição lenta, segura e gradual, operada pelos donos do poder, os militares da ditadura (1964–1985) e a burguesia, propiciou algum nível de socialização da política, mas não de socialização do poder político. Um conjunto de direitos civis e garantias individuais tornaram-se letras mortas na lei e não se expressam na realidade concreta do povo brasileiro.
Para superarmos a democracia de baixíssima densidade, fundada sobre os pilares podres da governabilidade de cooptação e a da pseudorepresentação, é preciso um diagnóstico absolutamente claro e preciso. O empresariado colonizou a representação política e definiu o Estado como seu braço executivo, como definiria Marx. A continuidade desse modelo continuará produzindo uma democracia sem serventia para as maiorias sociais do povo.
Superar a democracia como farsa e tragédia é tarefa urgente da sociedade brasileira e dos trabalhadores. Além de reformas profundas e estruturantes que garantam que apoiadores de torturadores não possam concorrer em eleições é preciso seguir em frente, entendendo — como ensina Ellen Wood — que democracia e capitalismo são em essência, incompatíveis. Dentro dos marcos do capitalismo, avanços podem até ser possíveis, mas as mudanças que subordinem o Estado a serviço dos interesses do povo brasileiro só serão conquistadas sob uma insígnia: o socialismo.