O financiamento da Ciência e Tecnologia no Brasil encontra-se em novo impasse, com os cortes para a Capes e o CNPq perpetrados pelo atual e trágico governo. Ao mesmo tempo, problemas no âmbito científico, como o clima ou a alimentação estão sendo colocados no centro de mobilizações, principalmente da juventude. Para não ficarmos presos apenas em análises que culpabilizam somente tais ou quais governos, temos de compreender o papel da ciência e tecnologia na modernidade e como o capitalismo se apropriou de seus frutos.
Principalmente por vivermos paradoxos, com parte das esquerdas propondo como solução um retorno pré-capitalista que converge para uma pós-modernidade. Esta política transparece no identitarismo de alguns “movimentos negros”, que defendem um retorno a uma mítica “cultura perdida” africana, com reis, rainhas, valorização de religiões de cunho africano ou, em outros movimentos, na defesa de um ideal camponês, familiar rural, com alimentos “puros” ou mesmo de uma “ecologia” que propõe um equilíbrio com a “mãe natureza”. E a direita defendendo uma “ciência dura”, de laboratório e sem pessoas, que possa gerar dinheiro e mais dinheiro. Já estamos vendo que a ciência não é neutra e nem a sua aplicação.
Vejamos neste momento: estamos vendo a questão ambiental mobilizar jovens, principalmente da Europa, EUA e de setores médios dos países em desenvolvimento. Ou seja, não abrange os jovens do mundo de maneira igualitária. E por quê?
As economias do capitalismo central e para a parte dos países periféricos com melhores condições sociais e econômicas estão começando a saturar. Saturar de produção, consumo e até de turistas, como é o caso europeu. Suas economias já possuem uma renda per capita entre 40 a 60 mil dólares. Mas e a África, cujos países, com exceção da África do Sul, possuem renda per capita entre menos de 1000 e 4000? É isto que faz com que milhares de africanos migrem para a Europa, arriscando a própria vida, para poder trabalhar, mesmo que seja de forma subalterna, no velho continente. Eles não vão conhecer o Louvre ou o Museu Britânico, não vão conhecer a história em Berlim, mas tentar “ganhar a vida” e ajudar sua família na África. Na América latina conhecemos o mesmo quadro. A melhor renda per capita da América do Sul é a chilena com 15 mil dólares e a do Brasil é de cerca de 12 mil. O quadro na América Central é pior, gerando a migração maciça para os EUA.
Ou seja, o mundo ainda é o “velho mundo capitalista”, com exclusões e desigualdades, seja entre países, seja dentro do próprio país. É a luta de classes sempre presente.
Mas, onde fica a questão da ciência e tecnologia? Sabemos que o capitalismo capturou o desenvolvimento científico e tecnológico na modernidade e, assim, utilizou o desenvolvimento das forças produtivas para reproduzir capital, explorar os trabalhadores subjugar povos, colonizar e imperializar. Concentrou dinheiro e poder para poucos e trouxe pobreza e exclusão do poder para muitos. Neste sentido precisamos pensar o desenvolvimento científico e tecnológico e o desenvolvimento das forças produtivas dentro da totalidade capitalista que é desigual e fonte de exploração e opressão humanas e da natureza. Nem a Europa social-democrata consegue se emancipar da exploração e opressão, pois como se mantém capitalista, reproduz os problemas de migração, desigualdade e exploração, além dos problemas ecológicos.
Mas o desenvolvimento científico, tecnológico e das forças produtivas não é intrinsecamente capitalista. O capitalismo é que se apropriou deste desenvolvimento que é consequência das conquistas humanas, do nosso trabalho e da educação. Apropriou-se e o usa para explorar e subjugar povos e classes sociais. Portanto, temos de defender o desenvolvimento das forças produtivas e da C&T sob controle dos trabalhadores e da sociedade e não do capital. Neste sentido não teria como separar ciência e sociedade, tecnologia e relações sociais. Os trabalhadores de todas as categorias, as classes populares exploradas e oprimidas pelo capital é quem devem definir os rumos do desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, não devemos considerar toda a moderna ciência e tecnologia como “capitalistas” e tentarmos criar pequenos guetos pré-capitalistas baseados numa ética quase religiosa de crítica ao capitalismo. Nem buscar reinventar outra roda e começar tudo de novo, com a busca de uma “ciência vindo do povo” ou uma “sociedade alternativa”. Devemos lutar pelo controle das forças produtivas e usá-las em benefício de novas relações sociais dentro da totalidade. Claro que sem menosprezar os diversos conhecimentos, mas também sem cair em utopias ou idealismos.
Sabemos as dificuldades que as revoluções do século passado tiveram com a sua condição de subalterna no sistema capitalista mundial, pois todas estas revoluções foram em países periféricos e enfrentaram enormes problemas materiais. Para avançarmos, precisamos socializar o direito à ciência e tecnologia para todos, mas principalmente para os que vivem de seu trabalho.
E no Brasil atual? No caso específico do Brasil, penso que já temos condições de debatermos, e colocarmos em prática, quando possível, um projeto que seja diferente do nosso capitalismo, que carregue os germes do anti-capitalismo e do socialismo. Sem, é claro, perder a perspectiva do global. E, aqui, voltamos ao problema de nossa produção científica e tecnológica.
Se o governo Bolsonaro corta recursos da pesquisa para beneficiar o capital financeiro, os governos passados usaram as pesquisas para desenvolver, de alguma outra forma, as necessidades do capital. Aumentaram as verbas quando o capital demandava ou cortaram quando ouros setores do capital foram priorizados. Esta tem sido a sina de nossa produção científica e de nossas pesquisas. Assim, não basta reivindicarmos mais verbas ou ministério próprio se não mudarmos as prioridades. Se não usarmos o desenvolvimento da ciência e tecnologia para uma vida melhor para todos. Vamos lutar pela educação, pela pesquisa, mas sabendo que, além disso, temos de lutar para que os frutos das pesquisas sirvam a um projeto emancipatório humano. E que os trabalhadores, e não o capital, usufruam da moderna ciência.