O “dia da mulher” é um elo da longa e sólida corrente do movimento de mulheres trabalhadoras.
(Aleksandra Kollontai)
A origem socialista do 8/3 — nossa bandeira é vermelha
O Dia 8 de Março — Dia Internacional de Luta das Mulheres — nasceu da luta das mulheres socialistas. Clara Zetkin, Kollontai e Rosa Luxemburgo, empunhando bandeiras vermelhas, reivindicaram na Primeira Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em 1907, a determinação do Dia da Mulher Socialista. Essa iniciativa tinha por objetivo integrar a luta por igualdade das mulheres à luta socialista. No centro da luta por igualdade entre homens e mulheres, a luta pela libertação econômica era central. A primeira fase da maior revolução operária do século passado se inspirou na greve das tecelãs e costureiras de Petrogrado. Trabalhadoras de base, em explícito desacordo com a orientação do Partido Bolchevique, e por não poderem mais suportar as condições de trabalho, saíram às ruas para lutar por pão e paz. Ao fazerem isso, deram início à revolução russa.
O papel social imposto às mulheres garante que sejam oprimidas e superexploradas. E é por esta mesma razão que possuem um papel central no enfrentamento com o sistema responsável por essas mazelas. É preciso alimentar a chama do potencial revolucionário do movimento de mulheres.
O Brasil de Bolsonaro e Damares — misoginia e desvalorização institucional de mulheres
O capitalismo tem explorado homens e mulheres. Mais da metade da população mundial está recebendo muito abaixo da média de salários. As mulheres não são remuneradas pelo trabalho de produção da força de trabalho — como a jornada doméstica e de cuidados –, o que explicita que a superexploração recai sobre os corpos das mulheres. Recai sobretudo sobre os corpos das mulheres negras, seja na condição de imigrantes, seja na condição de força de trabalho na periferia. A elas estão destinados os piores trabalhos, remunerações e condições precárias de sobrevivência.
O racismo e o sexismo aprofundam a desigualdade por dentro da classe trabalhadora nas estruturas da sociedade. São as mulheres negras as mais atingidas pela violência doméstica, pela mortalidade materna e pela violência obstétrica, segundo dados do Disque 180, Ministério da Saúde e Fiocruz/2018.
É nesse contexto mundial, latino-americano e brasileiro que vivemos. A reforma trabalhista de Temer significou duros golpes para as mulheres. Um deles foi abrir caminho para o aumento da terceirização. As empresas terceirizadas pagam os piores salários e há alta rotatividade de seus empregados. A recente reforma da previdência, bem como as feitas pelos governos de FHC, Lula e Dilma, significou menos direitos para as mulheres; menos recursos para pensões, mais utilizadas por viúvas e filhas menores de idade; aumento da idade mínima para aposentadoria, desconsiderando a dupla/tripla jornada das mulheres, devidas ao encargo doméstico. Toda a lógica das mudanças afeta diretamente quem mais precisa desses benefícios.
A política de ajuste de Paulo Guedes e Bolsonaro aprofunda as desigualdades e afeta, de maneira ainda mais dolorosa, a vida das mulheres neste país de passado escravista. O comentário do ministro da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, sobre as empregadas domésticas — na sua imensa maioria negras e pobres –, explicita esse racismo.
Bolsonaro ofende todas as mulheres quando ataca publicamente a jornalista da FSP Patrícia Campos Mello, que denunciou o esquema de produção de fakenews. Bolsonaro insinuou que a jornalista teria trocado favores sexuais com o funcionário da empresa envolvida no caso para ter acesso às informações. Procurou com isso descredibilizar a reportagem, com base nessa insinuação, atacando a liberdade de imprensa e a reputação da jornalista. Com isso, atacou o trabalho sério que milhares de mulheres fazem todos os dias. Fez isso em fevereiro e voltou a fazer em março, desta vez contra a jornalista Vera Magalhães, que divulgou um vídeo do presidente convocando manifestações contra o Congresso. Novamente usou o termo “furo jornalístico” de forma pejorativa. Desrespeitou uma profissional pelo fato de ela ser mulher, desrespeitando, assim, todas as mulheres brasileiras. O machismo, a lgbtfobia e o racismo institucional do governo são gritantes. Incentivam toda sorte de desrespeito e desvalorização das mulheres.
A luta pela legalização do aborto no Brasil nunca foi tão potente. Embora os direitos sexuais e reprodutivos sofram ataques cotidianos no Brasil e no mundo, desde 2015 a resposta foi potente e conseguiu barrar os principais ataques neste campo. A palavra de ordem mais ouvida desde a primavera feminista, “legaliza, o corpo é nosso, é nossa escolha, é pela vida das mulheres!”, explicita o porquê da urgência desta pauta.
Violência sexista — o maior flagelo das mulheres brasileiras
A situação de fragilidade econômica, para além de todas as mazelas que proporciona, também está na base de um grande problema social: a violência sexista. Os dados são assustadores. De acordo com o levantamento do 13° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em setembro do ano passado, o Brasil registrou recorde de violência sexual. Foram 66 mil vítimas de estupro em 2018, maior incidência desde 2007. A maioria das vítimas — 53,8% ─ são meninas de até 13 anos. São 4 meninas por hora, 180 por dia. O Brasil é um lugar muito perigoso para as mulheres. Para mulheres negras e transexuais ainda mais. Segundo dados da ANTRA, a expectativa de vida de uma mulher trans é de 30 anos no Brasil. Nosso país lidera as primeiras posições no ranking mundial de feminicídios de mulheres transexuais e travestis.
O primeiro ano degoverno Bolsonaro deixou um rastro de sangue feminino pelo caminho. Dados recentes, do final de fevereiro deste ano, dão conta de um aumento de 7,2% dos casos de feminicídio no país. Para as mulheres negras, este aumento, na série dos últimos dez anos, foi de 15%.
O Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos — na figura de sua representante, Damares Alves — envergonha as mulheres brasileiras. O Brasil é um país que tem altos índices de violência sexista. Somos o 5º país que mais mata mulheres no mundo. A cada 4 horas uma mulher é morta por ser mulher, por ódio ou por desprezo por sua vida. Diante desse quadro, o governo reforça um modelo de mulher subserviente aos homens, culpada pelas violências que sofre. É o que diz a Ministra Damares quando justifica o abuso sofrido pelas meninas da ilha de Marajó no Pará por falta de calcinhas. Ela está dizendo que uma menina sem calcinha pode ser estuprada.
A ministra Damares lançou, recentemente, uma campanha de abstinência sexual nas escolas como caminho para prevenir a gravidez na adolescência, na contramão dos estudos científicos que comprovam que só se enfrentam radicalmente as infecções sexualmente transmissíveis e a gravidez precoce com informação e prevenção.
Damares, e sua cruzada pessoal contra a exploração sexual infantil e contra o abuso sexual de menores,confunde prevenção com incentivo à sexualização de nossa juventude. A educação sexual nas escolas é fundamental para que nossa juventude possa conhecer seus corpos, entender quando estiversofrendo abuso sexual e tenha elementos para denunciar seus agressores, que em 70% dos casos estão no ambiente familiar. Sem essa medida não se pode atacar a violência contra as meninas e mulheres.
Para enfrentar esse quadro alarmante, de aumento de toda sorte de violências contra as mulheres, é necessário investimento. Não bastassem as criminosas declarações de Bolsonaro e seus ministros, incentivando o ódio e o desprezo contra mulheres, verdadeira autorização social para ataques sexistas, o governo zerou as verbas para equipamentos importantes da rede de atendimento à mulher vítima de violência. O orçamento da Secretaria de Mulheres reduziu de 119 milhões para 5,3 milhões no período de 2015 a 2019. Hoje, a Casa da Mulher Brasileira, abrigo para mulheres em situação de violência, teve a verba que a mantinha aberta zerada.
Que floresça a primavera feminista! Que as mulheres sejam a faísca da revolução!
Em várias partes do mundo as mulheres têm protagonizado importantes lutas. Argentinas nos encheram de esperança com sua maré verde, na luta pela legalização do aborto. As chilenas, ao enfrentarem as violências de Piñera e seus carabineiros, deram o tom da luta: os violadores são o Estado e suas instituições.
No Brasil,vivemos um período de importante ascenso de lutas feministas. A Primavera Feminista contra Cunha foi determinante para barrar o PL 5069/13,mas foi igualmente determinante para derrubar o ex-presidente da Câmara dos Deputados. O “Fora Cunha!” foi entoado por vozes de mulheres no último trimestre de 2015.
O enfrentamento com o feminicídio, conectado com nossas irmãs argentinas sob a palavra de ordem “Ni Una Menos”, levou centenas de mulheres às ruas em todo o país. A campanha “chega de fiu-fiu”, que denunciou os assédios sexuais, encontrou forte eco entre as mulheres. As jovens estudantes ganharam as ruas e enfrentaram corajosamente o tabu do assédio nas escolas secundárias.
As estadunidenses abriram o ano de 2017 com sua multitudinária “marcha das mulheres em Washington”, no dia seguinte à posse de Donald Trump, para lutar pelos direitos das mulheres, por reformas na imigração, contra as desigualdades raciais e por direitos LGBTs, trabalhistas e ambientais. Em março do mesmo ano, foi organizada a primeira greve internacional de mulheres. O “dia sem mulher” foi convocado para enfrentar a violência masculina e para defender os direitos reprodutivos. Com forte caráter anticapitalista, dispôs-se a enfrentar globalmente o imperialismo, o neoliberalismo, a heteronormatividade, o racismo e o machismo. A palavra de ordem “se nossas vidas não importam, que produzam sem nós” deu a tônica desse enfrentamento com a produção capitalista.
No Brasil polarizado de setembro de 2018, o massivo ato “Ele Não” marcou a história do feminismo brasileiro como a maior manifestação protagonizada por mulheres. Replicado em vários países, cumpriu um papel determinante para que Bolsonaro não ganhasse no 1º turno.
As manifestações da juventude denunciando o colapso ambiental tem no rosto de Greta Thunberg — uma jovem ativista — sua expressão pública internacional.
O Dia Internacional de luta das mulheres abre o calendário de lutas de 2020. Em 14 de março completam-se 2 anos do assassinato de Marielle e Anderson, ainda sem que tenhamos conhecimento de quem são os mandantes e por que o crime foi cometido. Estaremos nas ruas neste 8/3 para dizer que não queremos Bolsonaro/Mourão e sua ministra antifeminista, sua política de destruição da nação e de nossos direitos.
Kollontai declara, sobre os extraordinários acontecimentos deflagrados a partir da greve das tecelãs e costureiras russas, que “o dia das operárias, 8 de março, foi uma data memorável na história. Nesse dia as mulheres russas levantaram a tocha da revolução.” Que neste 8/3, inspiradas na origem revolucionária desse dia, as mulheres pavimentem o caminho para a greve geral. Que levantem novamente a tocha da revolução e plantem as sementes de um mundo sem opressão e sem exploração, um mundo socialista!
Contrapoder, 8 de março de 2020.