Por Suéllen B. Alves Keller
O livro intitulado “A Ofensiva do Conservadorismo: Serviço Social em Tempos de Crise”, de autoria de Suéllen Bezerra Alves Keller1, é uma obra que se propõe a realizar uma análise de conjuntura dos anos compreendidos entre 2011 e 2016, período que se desenhou o esgotamento dos governos Lula e Dilma. O propósito da autora é demarcar a configuração da profissão do Serviço Social no âmbito das políticas sociais, no contexto em que tal período, chamado “neodesenvolvimentista”, entra em colapso, em concomitância à vigorosa ascensão do conservadorismo no cenário político.
A obra realiza uma abordagem analítica dos governos petistas, que representaram uma das mais emblemáticas contradições do Brasil recente: por um lado, tem-se a continuidade e aprofundamento de elementos próprios da política neoliberal vigente desde a década de 1990 e, por outro, respondeu-se, até certo ponto, às necessidades imediatas das classes subalternas, com rebatimentos para o exercício profissional de assistentes sociais. Nos primeiros capítulos, se torna evidente como as possibilidades de acesso popular ao consumo foram alavancadas por estratégias de gestão das políticas sociais, focalizadas na parcela mais pauperizada da população, permitindo a impressão de que seria possível combinar acumulação capitalista com maior equidade social.
As incertezas e inseguranças em relação a efetividade dos direitos sociais se aprofundou, conforme o estudo, no processo de queda da presidenta Dilma. O desmonte das políticas sociais nesse contexto escancarou a fragilidade das superficiais mudanças efetuadas pelos governos do Partido dos Trabalhadores, que não efetuaram nenhuma mudança estrutural no alicerce da ordem capitalista vigente. Tal desintegração foi acompanhada pelo avanço espantoso do conservadorismo e intensificação dos debates fundados no retorno pleno do neoliberalismo, situação consubstanciada após o Golpe de 2016.
A explicação acerca do impedimento de Dilma em 2016 é apresentada no livro a partir da confluência de, pelo menos, quatro fatores: a onda de protestos iniciada em 2013, que afrontava o sistema político-partidário brasileiro diante da extenuação do projeto de conciliação de classes; o processo de desaceleração econômica, no qual Dilma não pôde manter a política do seu antecessor; a ascendência de um moralismo exacerbado, com respaldo no discurso anticorrupção e anti-PT, diante dos escândalos envolvendo agentes do partido ao processo judicial que investiga crimes de corrupção, conhecido como “Operação Lava-Jato”; e a dificuldade de diálogo com os outros Poderes, acrescida da perda da base política de sustentação do governo no Congresso Nacional, constituído por conservadores das mais diversas estirpes, dentre elas os ruralistas, militaristas, evangélicos e liberais.
No terceiro capítulo, é aprofundado como esse contexto franqueou o avanço da ofensiva conservadora, que se caracteriza não somente pelo apelo ao retrocesso no âmbito dos direitos sociais, diante das supostas “ameaças” de transformação social que o PT representaria; mas também pelo ataque às demandas por reconhecimento (identitárias), a partir do obscurantismo do “outro” que pretenda afirmar uma identidade que escape do padrão dominante, qual seja, ser “homem–branco–cisgênero –classe média ou rico–proveniente das regiões sul-sudeste–de direita”. O conservadorismo, que tem como principal personificação o presidente eleito Jair Messias Bolsonaro, é externalizado nas manifestações de ódio, preconceito de raça, gênero, orientação afetivo-sexual, bem como na persistência da desigualdade de classes, criminalização dos movimentos sociais, e construção de uma sociabilidade cada dia mais punitiva.
Por fim, o livro aborda como esse quadro repercutiu fortemente no cotidiano de trabalho das assistentes sociais, as quais lidam cotidianamente com as expressões da “questão social”, objeto da profissão, que se traduzem em demandas transversalizadas às outras múltiplas formas de opressão. Além do agravamento das condições de vida das populações usuárias dos serviços, tem-se a precarização das condições para o exercício profissional, com a redução de postos de trabalho, a exigência de uma atuação demarcada pela governabilidade e a restrição de instrumentos sociopolíticos de embate no exercício profissional. De forma preocupante, é expandido o abismo entre as condições materiais de atuação e os desígnios constantes no projeto ético-político profissional do Serviço Social.
“A Ofensiva do Conservadorismo: Serviço Social em Tempos de Crise”, trazendo elementos para compreensão da realidade brasileira recente, representa um convite àqueles que se avocam da perspectiva crítica, para resistência ao avanço conservador. Para as profissionais do Serviço Social, o livro abre a discussão sobre como atender as novas exigências da atuação profissional, a partir da mediação com o poder estatal, e ao mesmo tempo despertar a inconformidade nos usuários dos serviços prestados, sem perder de vista o horizonte constituinte de novas formas de sociabilidade. Como afirma Plínio de Arruda Sampaio Júnior na Apresentação da obra, a autora “aposta na luta e na inteligência como resposta à barbárie capitalista. Seu trabalho é uma contribuição corajosa e oportuna que estimula e enriquece o debate sobre os desafios dos novos tempos”.
Referência:
ALVES KELLER, Suéllen Bezerra. A Ofensiva do Conservadorismo: Serviço Social em Tempos de Crise. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
1A autora é assistente social judiciária no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS). Possui doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), mestrado acadêmico em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialização em Direito de Família pela Universidade Regional do Cariri (URCA).