Na última semana de junho, prestes a completar os primeiros seis meses à frente do Palácio do Planalto, o governo Bolsonaro/Mourão parece ter vivido o pior momento de sua breve gestão, até agora. A grosseria peculiar de Jair Bolsonaro esteve em níveis elevados ao chegar no Japão para a reunião do G-20, como se pode observar na rápida entrevista que concedeu a jornalistas, interrompida bruscamente pelo capitão-presidente.
A irritação tinha razão de ser: foi uma semana que começou com a divulgação de novos trechos das conversas entre o ministro Sérgio Moro (quando era Juiz) e os Procuradores que atuam na Lava Jato, e se encerrou com a divulgação de pesquisa de opinião na qual o governo Bolsonaro/Mourão atingiu o menor índice de aprovação desde a posse.
Encomendada pela patronal CNI — Confederação Nacional da Indústria, a pesquisa apontou que somente 32% dos brasileiros considera o governo ótimo ou bom (em janeiro o índice era de 49%). E outros 32% consideram ruim ou péssimo (em janeiro, eram 11%). Também caiu o percentual daqueles que aprovam a maneira de Bolsonaro governar: entre abril e junho o índice variou de 51% para 46%, e aqueles que desaprovam, subiu de 40% para 48%. A confiança no atual Presidente da República caiu para 46% e pela primeira vez o índice foi ultrapassado por aqueles que não confiam: 51%.
As ruas refletiram as pesquisas de opinião: convocadas pelo MBL e Vem Pra Rua, para dar apoio a Bolsonaro, Sérgio Moro e à Operação Lava Jato, as manifestações do dia 30/06 foram bem menores que as anteriores. Uma das principais empresas de comunicação do país registrou atos públicos em 88 cidades brasileiras, contra 156 que organizaram passeatas de apoio um mês atrás, em 26/maio.
Entre um fato e outro, novos escândalos ampliaram a crise, como a cocaína no avião da FAB, a audiência com o jornalista da “Vaza Jato”, e a prisão de três assessores de um Ministro de Estado.
O quarto ministro pode cair
“Até segunda-feira, os 22 são ministros”, respondeu em Osaka, Japão, ao ser questionado por jornalistas sobre a prisão de três assessores do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. Os homens de confiança do ministro foram presos pela Polícia Federal, que investiga o caso dos “Laranjas do PSL”, no qual verbas públicas destinadas a candidaturas do partido de Bolsonaro em Minas Gerais teriam sido desviadas para abastecer a campanha do então candidato a deputado federal Marcelo Álvaro Antônio.
O esquema, denunciado no início de fevereiro, já fez uma vítima na cúpula governamental: Gustavo Bebianno, ex-Secretário Geral da Presidência da República, que caiu duas semanas após as denúncias, sem conseguir explicar o desvio de centenas de milhares de reais. Além dele, o ex-ministro da Educação, Ricardo Velez e o ex-secretário de governo, general Santos Cruz, também não resistiram às pressões das disputas internas de poder.
Fora esses três, pelo menos outros 30 funcionários do alto escalão também foram colocados na rua, dentre eles o ex-presidente do BNDES, Joaquim Levy, e o dos Correios, Juarez Cunha, bem como os ex-presidentes do IBAMA, FUNAI, EMBRATUR e INEP, diretores, assessores e secretários especiais. Tudo isso apenas nos seis primeiros meses de governo.
Sérgio Moro: o herói desmascarado
Coube ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, jogar os holofotes para os obscuros e ilegais procedimentos utilizados pelo todo poderoso ministro da Justiça, alçado ao posto de herói nacional pelos eleitores de Jair Bolsonaro. As conversas atribuídas ao então juiz federal Sérgio Moro e ao procurador da República Deltan Dellagnol, apontam que o membro do Poder Judiciário (o Juiz), responsável pelo julgamento de um processo, articulava as ações que seriam empreendidas com o membro do Ministério Público (o Procurador), responsável pela acusação de uma das partes envolvidas no conflito.
É como se o Juiz de um processo movido por um trabalhador, demitido de uma grande indústria, fizesse conchavos com o advogado da empresa para garantir que o patrão não fosse prejudicado. Assim funciona as entranhas da Justiça burguesa, seletiva, corrupta, autoritária, partidária. As conversas vazadas expõem as vísceras fétidas do aparato que sustenta o regime da democracia dos ricos, do qual os governos petistas de Lula e Dilma foram cúmplices.
Na terça, 23/06, durante audiência pública no Senado Federal, Greenwald foi confrontado por uma parlamentar do PSL: “Eu desafio Glenn a tocar os áudios aqui e agora”. A resposta foi precisa e contundente:“Nós vamos divulgar os áudios, quando estiverem jornalisticamente prontos, e você vai se arrepender muito de ter pedido isso”.
Judiciário, Ministério Público e parte da Imprensa burguesa, já tratam de construir uma narrativa para blindar Moro e salvar a pele (e o cargo) do ministro e dos procuradores. A autenticidade dos diálogos está sendo questionada, os procedimentos abertos estão sendo arquivados e o eixo passa a ser caracterizar o vazamento como uma ação criminosa, para que seja investigado e descoberto de onde partiu. Paralelo a isso, busca-se desacreditar as fontes e o trabalho de jornalismo investigativo realizado. A permanência de Moro como ministro segue em uma disputa aberta.
Maconha, cocaína: o tráfico dentro das FFAA
Traficantes utilizarem a estrutura de privilégios das Forças Armadas para transportar drogas ilegais não é novidade. Em 1999 um coronel da reserva foi preso em um avião da FAB — Força Aérea Brasileira com 32kg de cocaína. O destino eram as Ilhas Canárias, de onde a droga seguiria para a Europa continental. Outro caso, em 2016, um caminhão do 20º Regimento de Cavalaria Blindado de Campo Grande-MS foi apreendido na Rodovia Anhanguera, em Campinas-SP, na fria madrugada de um domingo de agosto. Os três soldados do Exército brasileiro presos na operação levavam cerca de 3 toneladas de maconha, distribuídas em bolsas de viagem, pelo que receberiam R$ 30 mil.
Passados três anos um novo escândalo envolvendo drogas e militares vêm à tona, mas desta vez o tráfico internacional repercutiu para dentro do governo federal. Ao posar no aeroporto de Sevilla, Espanha, para uma escala em direção ao Japão, um avião da FAB, que integrava a comitiva de apoio à viagem do presidente Bolsonaro ao G-20, teve sua tripulação encaminhada para uma fiscalização de rotina. Um sargento da Aeronáutica foi preso ao se descobrir 39kg de cocaína em sua bagagem, avaliada em R$ 5,6 milhões.
A repercussão foi imediata nas redes sociais, onde a crítica ácida produziu dezenas de “memes” ridicularizando a relação do tráfico com o deputado Aécio Neves e o governo Bolsonaro/Mourão. O fato causou constrangimento na comitiva presidencial que chegava para a reunião dos chefes de Estado das 20 maiores economias mundiais. Cobrado, o ministro do GSI — Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, classificou como “falta de sorte” a prisão ter ocorrido neste momento. Dias depois, o vereador Carlos Bolsonaro veio a público dizer que “a culpa é dele (…)Por que acha que não ando com seguranças? Principalmente aqueles oferecidos pelo GSI?”. Uma nova crise interna está se desenhando.
Ecocídio e homofobia: novas derrotas do governo
Para piorar a situação, o governo sofreu duas derrotas em temas importantes. Na Câmara dos Deputados foram aprovados três projetos de lei vinculados à tragédia de Brumadinho: um que tipifica o crime de ecocídio (quando um desastre ambiental de grandes proporções é provocado pela ação de alguém) e aumenta o valor das multas ambientais e do tempo de reclusão para os condenados; e outros dois, que estabelecem a Política Nacional de Segurança de Barragens e a Política Nacional de Direitos por Atingidos por Barragens.
Na semana anterior, a derrota foi no STF — Supremo Tribunal Federal: após 3 meses de debates a maioria dos ministros determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero deva a ser considerada um crime, e a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), um crime inafiançável e imprescritível segundo a Constituição Federal, podendo ser punido com um a cinco anos de reclusão.
É hora de ir pra cima do governo!
O governo Bolsonaro/Mourão não dá sinais de que caminha em direção à superar sua crise. As divergências internas, as disputas pelo controle do aparato estatal, as trapalhadas e incompetências de seus ministros, aliadas à continuidade da crise econômica, política, social e ambiental que não foi controlada pelo fracassado governo Temer, indicam que é possível derrota-lo.
O povo tem o direito à informação: pelo fim do sigilo das investigações sobre corrupção e desvio de dinheiro público. A renúncia de Moro e o afastamento de Dellagnol, junto à exigência de prisão para todos os corruptos e corruptores tem que ser a resposta da população ao vazamento das conversas que revelaram esquemas ilícitos no submundo do Poder Judiciário e Ministério Público.
É necessário se manter nas ruas até a vitória completa sobre a reforma da Previdência. Uma nova Greve Geral tem que ser convocada. O enfraquecimento do governo Bolsonaro/Mourão, fruto da crescente mobilização da classe trabalhadora, tem que ser aproveitado pelas direções dos partidos e centrais sindicais para fortalecer o chamado a mais enfrentamento em defesa da Educação, da Saúde, do salário, da aposentadoria. É necessário repetir as mobilizações de 15 e 30/05 e 14/06, unificar as lutas e derrotar o governo dos patrões.