42 coisas do Mouro e seu amigo pra você saber

  1. Karl Marx, o Mouro, nasceu em 5 de maio de 1818, numa família de origem judia, em Trier (Trèves), uma pequena cidade de 12 mil habitantes, produtora de vinhos, na região do Reno (sul da Prússia). De 1798 a 1814, a região renana pertenceu à França e Trèves foi a sede da administração francesa na Renânia. Em 1815, com a derrota de Napoleão, a Renânia foi anexada à Prússia e o pai de Marx, um jurista liberal, converteu-se ao protestantismo para escapar à perseguição antissemita e poder exercer a advocacia.
  2. Marx estudou na Universidade de Bonn (de 1835 a 1836) e na Universidade de Berlin (de 1836 a 1840), na qual Hegel (1770–1831) lecionara e conservara grande influência mesmo depois de sua morte. Berlin era uma cidade grande, com mais de 300 mil habitantes. Ali, Marx vinculou-se aos jovens hegelianos (os hegelianos de esquerda). Em 1841, Marx doutorou-se na Universidade de Jena com uma tese sobre “A diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e a de Epicuro”, na qual demonstrava que Epicuro contradizia o determinismo de Demócrito.
  3. Era uma época de estagnação econômica e conservadorismo político. As portas da Universidade foram fechadas, pelo imperador prussiano Frederico Guilherme IV, para os hegelianos de esquerda. Então Marx voltou-se para o jornalismo.
  4. Seu primeiro artigo foi contra a censura, para os Anais Alemães, e foi censurado. Mas foi publicado em Anedota, uma revista de Zurique. E Marx passou a escrever regularmente para a Gazeta Renana, de Colônia. Num desses artigos, escreveu: “A liberdade número um para a imprensa consiste em não ser ela uma indústria.” Para ele, defender a liberdade de imprensa como “uma liberdade comercial qualquer” seria fazer do mesmo modo como a corda “defende” o pescoço do enforcado. Seus artigos fizeram sucesso e, em outubro de 1842, ele se mudou para Colônia para assumir a direção da Gazeta Renana, que aumentou sua tiragem. Marx fez uma série de artigos polêmicos em defesa do direito consuetudinário dos camponeses do sul do Reno que coletavam gravetos e galhos secos nos bosques comunais que foram privatizados e cercados. Após um violento artigo contra o absolutismo russo, o jornal foi fechado em janeiro de 1843.
  5. Em junho de 1843, após sete anos de noivado, Marx casou-se com Jenny (que era 4 anos mais velha que ele). No segundo semestre, influenciado por Feuerbach (1804–1872), Marx escreveu a “Crítica da filosofia do direito público de Hegel”, o famoso “Manuscrito de Kreuznach”, que só seria publicado postumamente, em 1927. Em outubro, mudou-se para Paris e passou a ser o redator-chefe dos Anais Franco-Alemães, publicação que fundou em sociedade com Ruge. Nessa época, Marx escreveu a Ruge: “O único ponto em que divirjo de Feuerbach é que, a meu ver, ele dá importância demais à natureza e importância de menos à política. Ora, atualmente, a filosofia só pode se realizar aliando-se à política.”
  6. Em Paris, Marx entrou em contato com o movimento socialista dos operários franceses. E publicou a “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” e “Para a Questão Judia”, no número único dos Anais Franco-Alemães, em fevereiro de 1844 . Na “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, Marx advertia: “O poder material só pode ser vencido pelo poder material.” E arrematava: “A teoria também se transforma em força material quando se apodera das massas.” Em “Para a Questão Judia”, Marx observou: “A emancipação política não é, ainda, a emancipação humana.”
  7. É nessa época que Marx estuda Adam Smith, David Ricardo e outros clássicos da Economia Política inglesa. Ele vai fazendo anotações que só serão publicadas postumamente, em 1931, sob o título de “Manuscritos econômico-filosóficos de 1844”. Nessas anotações, formula a teoria da alienação. Este foi o último trabalho de Marx antes de ele e Engels fundarem uma colaboração que perduraria até a morte de Marx em 14 de março de 1883.
  8. Engels nasceu em 28 de novembro de 1820, em Barmen, uma cidade mais industrializada que Trèves , também na região da Renânia. Era filho de um rico industrial muito religioso e conservador. Desde muito jovem se rebelara contra os valores do pai e se tornara um hegeliano de esquerda. Morreu em 5 de gosto de 1895, em Londres.
  9. Em novembro de 1842, numa visita à redação da Gazeta Renana, em Colônia, Engels se entrevistou pessoalmente com Marx pela primeira vez, mas Marx o recebeu com reservas. Posteriormente, Marx publicou dois trabalhos de Engels no número único dos Anais Franco-Alemães. Um desses trabalho de Engels, “Esboço para uma crítica da economia política”, de fevereiro de 1843, influenciara Marx profundamente.
  10. Marx e Engels voltaram a se encontrar em Paris, no final de 1844. Na ocasião, Engels acabara de redigir “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, um livro revelador e impactante. Os dois, então, combinaram escrever o primeiro texto em conjunto, “A sagrada família”, polêmica cujo subtítulo seria “Contra Bruno Bauer e consortes” ou “Crítica da Crítica Crítica”. Os irmãos Bauer (Bruno, Edgar e Egbert) acusavam Marx de conceber o proletariado como um Messias. No livro, Marx e Engels responderam aos irmãos Bauer acusando-os de serem filósofos “de gabinete”. E proclamaram: “O proletariado apenas executa a sentença que a propriedade privada pronunciou contra ela mesma quando o criou.” Alertaram: “As ideias nunca podem realizar nada, pois para a realização das ideias é preciso que os homens coloquem em ação uma força prática.” Advertindo: “Se o homem é formado pelas circunstâncias, o que é preciso é formar as circunstâncias humanamente.”
  11. Marx escrevia regularmente para o “Vorwärts!” (Avante!), órgão de imprensa dos operários alemães na emigração. Ele escreveu um artigo apoiando a insurreição dos tecelões da Silésia, o que levou ao rompimento dele com Ruge, que se colocara contra a insurreição. Mas o Avante! seguia de vento em popa e, com isso, Marx garantia sua sobrevivência como jornalista, até que, por pressão do imperador prussiano, o governo francês decidiu pela expulsão não só de Marx, mas também de outros colaboradores do jornal, como Heine e Bakunin. Expulso de Paris, Marx se instalou com a família em Bruxelas, em fevereiro de 1845, aí permanecendo até 1848.
  12. Em 1845, Marx escreveu as famosas onze ”Teses sobre Feuerbach”, nas quais esquematizava o novo materialismo dialético, como um materialismo prático: “As circunstâncias fazem o homem na mesma medida em que este faz as circunstâncias.” Esse texto só foi divulgado postumamente, em 1888, por Engels. Em seguida, de setembro de 1845 a maio de 1846, escreveu, em colaboração com Engels, “A Ideologia Alemã”, na qual anunciaram: “Divisão social do trabalho e propriedade privada são termos idênticos; um diz, em relação à escravidão, a mesma coisa que o outro diz em relação ao produto dela.” E esclareceram: “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes. Ou dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante.” “A ideologia alemã” só foi publicada postumamente, em 1931.
  13. Marx e Engels se aproximaram da Liga dos Justos, organização comunista fundada por Weitling. Numa reunião do comitê de Bruxelas da organização, em 30 de março de 1846, Marx e Weitling polemizaram em termos ásperos. Weitling afirmou que os operários revolucionários não precisavam de teorias e deveriam desconfiar dos teóricos. E Marx respondeu-lhe rudemente: “A ignorância jamais foi útil a alguém!”.
  14. Em maio de 1846, Marx estava organizando um comitê de correspondência comunista e convidou Proudhon para fazer parte dele. Proudhon respondeu que não aprovava o método revolucionário para transformar a sociedade, e anunciou que estava escrevendo um livro que enviaria a Marx para ser criticado pelo “caro filósofo”. Em dezembro de 1846, Marx recebeu o livro de Proudhon: “Sistema das Contradições Econômicas”, cujo subtítulo era “A Filosofia da Miséria”. Marx não se fez de rogado e escreveu uma crítica demolidora com o título de “A Miséria da Filosofia”. Referindo-se a Proudhon, Marx escreveu: “Na França, ele tem o direito de ser um mau economista, porque passa por ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser um mau filósofo, porque passa por ser um dos melhores economistas franceses.” Para Marx, Proudhon não entendera a dialética de Hegel: “Da dialética de Hegel, o sr. Proudhon tem apenas o vocabulário. Seu movimento dialético se reduz à distinção dogmática do bom e do mau.” Como Proudhon se referisse a uma natureza humana imutável, Marx corrigiu-o: “O sr. Proudhon ignora que toda a história não tem sido outra coisa senão uma permanente transformação da natureza humana.” E sobre a circunstância do capitalismo aglomerar os operários nas industrias, observou: “Assim, essa massa já constitui uma classe para o capital, embora não constitua uma classe para si mesma.”
  15. Em junho de 1847, a Liga realizou um Congresso em Londres, ao qual Engels compareceu. Por proposta de Engels, a Liga adotou uma organização interna mais democrática e mudou o seu lema de “Todos os homens são irmãos” para “Proletários de todos os países, uni-vos!”, além de mudar o nome da organização de Liga dos Justos para Liga dos Comunistas.
  16. Em 1847, aos 29 anos, Marx participou, junto com Engels, do II Congresso da Liga dos Comunistas, em novembro, em Londres. Nessa ocasião, Marx e Engels ficaram encarregados de redigir um Manifesto Comunista. Com base num texto de Engels, “Os Princípios do Comunismo”, que expunha a doutrina de forma didática, através de perguntas e respostas, Marx deu a redação final ao Manifesto, apresentado em Londres no final de janeiro de 1848.
  17. No Manifesto Comunista — talvez o texto mais importante do marxismo depois de O Capital -, Marx proclamava: “A história de todas as sociedades até hoje é a história da luta de classes.” E detalhava: “Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em suma, opressores e oprimidos estiveram em constante antagonismo entre si, travando uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras aberta — uma guerra que sempre terminou ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta.” Esclarecendo: “O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua parte da produção social; suprime apenas o poder de, por meio dessa apropriação, explorar o trabalho alheio.” O Manifesto dizia que a burguesia acusava os comunistas de quererem acabar com a família, mas que a realidade era bem outra: “Para o burguês, sua mulher nada mais é do que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum, ele conclui, naturalmente, que haverá comunidade de mulheres. Não imagina que se trata precisamente de libertar a mulher de seu papel atual de mero instrumento de produção.” O Manifesto concluía com um chamado à classe operária: “Os proletários nada têm a perder a não ser as suas algemas. Têm um mundo inteiro a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!”
  18. Em 1848, a crise econômica do capitalismo atinge em cheio os grandes centros industriais da Europa. Na Suíça, os democratas sufocam o movimento separatista dos clericais apoiado pelas potências reacionárias da Santa Aliança. Na Itália, os democratas, no norte do país, saem às ruas e entram em choque com os conservadores e a repressão policial; enquanto, em Palermo, explode uma rebelião popular. Na França, os insurretos derrubam o rei Luiz Felipe, em 24 de fevereiro, proclamando a República. Flocon, representante do governo provisório, convida Marx a retornar a Paris. Marx preparava sua mudança para a França quando foi surpreendido por uma ordem de prisão, contra ele e sua mulher, ditada pelo Rei Leopoldo, da Bélgica. Em 6 de março, Marx finalmente chegou a Paris.
  19. Na França o clima era de euforia revolucionária. E, na Prússia, o governo reacionário de Metternich caíra, ao passo que o imperador prussiano Frederico Guilherme IV promovia uma abertura política. Em 10 de abril, Marx e Engels entraram na Prússia e instalaram-se em Colônia, lançando a Nova Gazeta Renana como “órgão da democracia”, em 1 de maio.
  20. Na França, a reação se reorganizou e reprimiu violentamente o protesto operário de junho. Na Prússia, o governo fechou o Congresso, decretou o estado de sítio em Colônia e suspendeu a publicação da Nova Gazeta Renana, emitindo uma ordem de prisão contra Engels e outros colaboradores do jornal, que fugiram. Posteriormente, os democratas do sul da Prússia lançaram uma rebelião armada e Engels serviu como oficial nas tropas rebeldes. A rebelião foi derrotada pelas tropas governamentais. Com o fim do estado de sítio, Marx retomou a publicação da Nova Gazeta Renana. Foi processado pelo governo, mas absolvido no Tribunal de Justiça. Em maio de 1849, o governo decretou a expulsão de Marx, que ainda publicaria “Trabalho assalariado e capital”
  21. Em 24 de agosto, Marx chegou com a família à Inglaterra, onde fixou residência até o fim de sua vida. Em Londres reorganizou a Nova Gazeta Renana como revista mensal impressa em Hamburgo. Foram publicados seis números da revista, o último em novembro de 1850. Tratou de reorganizar a Liga dos Comunistas e fundou uma Sociedade Mundial dos Comunistas Revolucionários em colaboração com Willich (oficial rebelde sob o comando do qual Engels combatera) e Blanqui, mas a nova organização não deu certo. Em março de 1850, Marx e Engels redigiram a Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas, na qual formularam o conceito de revolução permanente.
  22. Marx publicou duas importantes análises políticas: “Lutas de classe na França (1848–1850)”, em 1850; e “O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”, em 1852. Em colaboração com Engels, também publicou, em 1851, “Revolução e Contrarrevolução na Alemanha”. Essas análises foram escritas na forma de artigos para a imprensa.
  23. Em “O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”, Marx mostra como um aventureiro medíocre, exatamente por sua precariedade, consegue capitalizar o descontentamento social generalizado e reunir o apoio das mais diversas camadas sociais e frações de classe (pequenos proprietários rurais, lumpemproletariado, pequena burguesia urbana, setores do proletariado desclassados, aristocracia financeira e os dois partidos monarquistas — quais sejam, os partidários dos Bourbons e seus rivais. partidários dos Orleans) para chegar ao poder. Todos que o apoiavam viam nele a possibilidade de um poder facilmente manipulável em proveito próprio. Todavia, quando a oportunidade apresentou-se, em 2 de dezembro de 1851, o oportunista Luís Bonaparte colocou, no lugar do lema da Revolução Francesa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, o lema do bonapartismo “Infantaria, Cavalaria e Artilharia”, e fez-se proclamar imperador Napoleão III.
  24. Em 1857, a crise do capitalismo levantou esperanças de que ocorressem vitórias revolucionárias. Mas essas esperanças se frustraram. Marx voltou-se, então, para os estudos de economia política, começou a redação dos “Esboços de uma Crítica da Economia Política” (os famosos Grundrisse, só publicados em 1939), redigiu a “Introdução Geral à Crítica da Economia Política” (a célebre Introdução de 1857, que só foi publicada em 1903) e escreveu a “Contribuição à Crítica da Economia Política”, na qual antecipava os quatro primeiros capítulos de O Capital.
  25. Marx acumulara um conhecimento vasto e seus interesses intelectuais abarcavam os mais diferentes campos. Em 1859, releu a “Lógica” de Hegel e dedicou-se à matemática, estudando cálculo integral e diferencial. A “Origem das Espécies”, de Darwin, fora publicada em 1859. No ano seguinte, Marx já o havia lido com grande interesse. Na literatura, Marx lia as tragédias de Ésquilo, no original grego, e os dramas de Shakespeare; recitava de cor a “Divina Comédia”, de Dante; e gostava tanto da “Comédia Humana”, de Balzac, que pretendia escrever um livro sobre ela.
  26. Em 6 de janeiro de 1863, morreu Mary Burns, em Manchester. Engels sentiu muito a perda da companheira e comunicou-a a Marx. Este encontrava-se numa situação desesperadora, sem dinheiro, doente e às voltas com doenças na família. Ele respondeu a Engels que “o remédio é homeopático, uma infelicidade faz esquecer a outra”. Engels aborreceu-se com Marx e a amizade dos dois sofreu um abalo. Mas Marx desculpou-se e a velha amizade foi restaurada em seguida. Após a morte de Mary, Engels viveu o resto de seus dias com Lizzy Burns, a irmã mais nova dela, que já vivia com eles.
  27. De 1861 a 1865, Marx acompanhou com interesse a guerra da secessão nos Estados Unidos da América do Norte. Quando já estava decidida a sorte da guerra, a Associação Internacional do Trabalhadores enviou uma mensagem a Lincoln por sua reeleição, saudando “que tenha sido escolhido Abrão Lincoln, o sincero filho da classe operária, para dirigir o país através da inigualável luta pelo resgate de uma raça escravizada e pela reconstrução da sociedade”. Lincoln respondeu dizendo que a saudação da Internacional lhe infundia “renovado ânimo” para prosseguir a luta. Esse, no entanto, foi um de seus últimos atos políticos, pois acabou sendo assassinado em 14 de abril de 1865.
  28. A Associação Internacional dos Trabalhadores foi fundada no comício de Saint Martin’s Hall, em Londres, em 28 de setembro de 1864. Marx redigiu o seu Manifesto inaugural. Em resposta às acusações da burguesia de que a Internacional promovia a subversão, Marx declarou: “Não foi a Internacional que levou os operários à greve; foram as greves que levaram os operários à Internacional.” Em 1865, redigiu “Salário, Preço e Lucro”, conferência que pronunciou numa reunião da Internacional.
  29. Em 1867, o capitalismo ia de vento em popa, e a produtividade do trabalho se incrementava com os avanços tecnológicos: Nobel inventou a dinamite; Glidden fabricou a primeira máquina de escrever; Singer organizara em 1862 a primeira fábrica de máquinas de costura; Siemens inventara o dínamo; desde 1859, Erwin Drake, ao furar acidentalmente um poço de petróleo nos Estados Unidos, dera início à corrida do óleo. Foi nesse cenário que, em setembro de 1867, Marx publicou o Livro I de O Capital, numa edição alemã com tiragem de mil exemplares.
  30. Marx começa O Capital falando da mercadoria. A mercadoria é o produto que não é produzido para o consumo próprio de quem o fabricou, mas para ser vendido no mercado. Ela tem valor de uso, pois precisa ser útil para quem vai comprá-la. Ao mesmo tempo, ela tem valor de troca, pois precisa ter um valor no processo de compra e venda. Esse valor é dado pela quantidade de trabalho socialmente necessária para a sua produção. Oscilando em torno desse valor, o preço da mercadoria será mais alto ou mais baixo de acordo com a lei da oferta e da procura. Marx observa que o valor de uso é o suporte material do valor de troca; e, ainda, que o valor de uso é subjetivo (se expressa na subjetividade do comprador), ao passo que o valor de troca é concreto (pois se manifesta objetivamente na relação social de compra e venda).
  31. No mercado, uma mercadoria especial se fixa como equivalente universal e serve para mediar os processos de compra e venda. Essa mercadoria especial é o dinheiro. Como qualquer mercadoria, o dinheiro encarna uma quantidade socialmente necessária de trabalho, vale dizer, é valor posto em circulação. Com o tempo, o dinheiro autonomiza o valor da mercadoria e se transforma em puro signo de valor: surge o papel-moeda.
  32. O sistema capitalista de produção requer que, de um lado, existam os possuidores de dinheiro, os capitalistas, e, do outro, os que só possuem a sua força de trabalho, os trabalhadores. Para sobreviver, os trabalhadores são livremente constrangidos a vender a força de trabalho deles para os capitalistas que precisem dela para colocar em marcha a produção. Mas, para que surgissem os capitalistas, foi preciso realizar uma acumulação primitiva. Isso se deu nos séculos XV e XVI, através da Revolução Comercial. A primeira viagem de Vasco da Gama às Índias proporcionou um lucro de 6.000%. Uma expedição do inglês Francis Drake contra os espanhóis deu um lucro de 4.700%. E, na perseguição ao lucro, a burguesia não tinha pruridos éticos: “Para conseguir tomar Málaca, os holandeses subornaram o governador português. Ele os deixou entrar na cidade, em 1641. Eles, então, correram à sua casa e o assassinaram, para ‘economizar’ o preço da traição, que era de 21.875 libras.” O traidor foi pago com a traição. Aliás, durante a Revolução Comercial, os burgueses , além de roubarem os consumidores, os operários e os povos das suas colônias, também se dedicavam a roubar uns aos outros.
  33. A Revolução Comercial criou as condições para a Revolução Industrial, e com ela estavam implantadas as bases do capitalismo. O mecanismo fundamental do sistema capitalista é o do mais-valor (ou mais-valia), que consiste no seguinte: o operário trabalha durante 8h, sendo 4h para produzir o valor que necessita para sua sobrevivência e 4h que produzem o valor que o patrão se apropria. Essas fatias de tempo de trabalho constituem o tempo necessário e o tempo excedente consumido na produção. O capitalista se apropria do tempo excedente: parte dele vai para o consumo doméstico do capitalista e a outra parte vai para o consumo produtivo: capital constante (instalações, maquinarias, matéria prima e matéria auxiliar) e capital variável (contratação de novos operários).
  34. Desse modo, o sistema capitalista se move na base da extração de mais-valor dos trabalhadores. Por isso, o capital é um valor que se valoriza. O esquema seguinte, representa a circulação do capital: D — M — D’, onde D é dinheiro, M é mercadoria e D’ é dinheiro acrescido. Por maior que seja a quantidade de dinheiro, se ela não estiver num processo de valorização, não é capital, mas renda. E a crise capitalista ocorre exatamente quando há uma interrupção do processo de valorização do capital.
  35. Outro aspecto inseparável do sistema de produção capitalista é o da concorrência. No dia a dia da produção, o capitalista não está em contradição apenas com os operários que explora, mas também com os outros capitalistas concorrentes. Paradoxalmente, a concorrência tende ao monopólio. Ela dita as suas regras e obriga o capitalista a ser a encarnação viva do capital, sob pena de ir à falência.
  36. Marx mostra que a socialização técnica da produção entra em contradição com a apropriação privada do produzido. E que essa contradição se expressa nas crises do capitalismo: “O monopólio do capital converteu-se num obstáculo ao modo de produção que tinha prosperado com ele e graças ao seu apoio. A concentração dos meios de produção e a socialização do trabalho chegam a tal ponto, que se tornam incompatíveis com o invólucro capitalista, e o despedaçam. Soou a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.”
  37. Em 1871, a Comuna de Paris foi instaurada na capital francesa após uma revolução vitoriosa do proletariado. Marx escreveu “A Guerra Civil na França”, analisando os acontecimentos da Comuna de Paris.
  38. Em 1874, após obterem êxitos eleitorais significativos, os dois partidos operários alemães promoveram a unificação das correntes socialistas no Congresso de Gotha. Marx e Engels não achavam que essa fosse uma boa ideia e, contra ela, Marx escreveu a famosa “Crítica ao programa de Gotha”. É aí que Marx estabelece a distinção entre socialismo e comunismo. Com o comunismo, a divisão social do trabalho é superada. E só então a humanidade poderá por em prática a máxima do socialista utópico Proster Enfantin: “De cada um de acordo com suas possibilidades, a cada um de acordo com suas necessidades”.
  39. Em 1878, Engels publica o “Anti-During”, cujo capítulo sobre economia fora escrito por Marx. Em 1880, Engels publica uma edição especial com três capítulos do “Anti-During”, intitulada “Do socialismo Utópico ao Socialismo Científico”. Marx escreveu também as “Glosas marginais ao tratado de economia política de Adolph Wagner”.
  40. Em 1880, Marx ditou a Jules Guedes, na presença de Lafargue e Engels, a introdução do Programa do Partido Operário Francês. Marx deixou anotações sobre as pesquisas do norte-americano H. L. Morgan, que, em 1884, Engels usaria para escrever o livro “Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”
  41. Em 2 de dezembro de 1881, Marx ficou desolado: morreu Jenny, a mulher da sua vida. Em 11 de janeiro de 1883, novo golpe: morreu sua filha Jenny Longuet. Finalmente, em 14 de março de 1883, morria Marx, o Mouro.
  42. Em 1885, Engels publicou o Volume II de O Capital. E, em 1894, o Volume III. O Volume IV, “Teorias sobre o Mais-Valor”, foi publicado por Kautsky de 1905 a 1910.

Bibliografia:

KONDER, Leandro. Marx: vida e obra. Expressão Popular, 2015.

PAULO NETO, José (org.). O leitor de Marx. Civilização Brasileira. 2012

Cronologia resumida de Marx e Engels. In MARX, Karl. Grundrisse. Boitempo, 2011, p. 775–788

Sergio Granja

Carioca de 1948. Iniciou sua militância em 1965, no PCB. Foi da ALN, exilado político, mestre em Literatura Brasileira, é professor da rede estadual do RJ.

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