No contexto de aprofundamento da crise, conversamos com o professor Ricardo Antunes sobre os impactos da crise econômica, do Coronavírus e a luta de classes
Contrapoder: Como as crises da saúde e econômica impactarão as lutas dos trabalhadores?
Ricardo Antunes:A crise do coronavírus e a crise econômica e a imbricação trágica entre elas vai ter impacto profundo na luta dos trabalhos, primeiro teremos um processo de agravamento do empobrecimento e da miserabilidade de parcelas importantes da classe trabalhadora que já vivem formas intensas de exploração do trabalho e de precarização, uma vez que muitos dos seus contingentes estão desprovidos de direitos, só pra dar alguns exemplos: nós temos hoje mais de 40% da classe trabalhadora na informalidade, nós temos uma massa que não para de se expandir, em torno de 5 milhões ou mais de trabalhadores que vivenciam as chamadas condições de uberização do trabalho, o trabalho nas plataformas digitais de aplicativos, Uber, Uber Eats, 99, Cabify, Rappi, Ifood e etc.
Uma miríade de empresas que se utilizam de uma intensa exploração da força de trabalho, completamente de direitos, a alquimia nefasta que propicia isso é a seguinte: as grandes corporações, os grandes conglomerados que não param de se enriquecer e podemos incluir a Amazon nesse processo, se fossemos pensar na sua importância mundial, se utiliza da alquimia como sendo prestadores de serviços aqueles trabalhadores e aquelas trabalhadoras, sempre nessa dimensão “dúplice” dada a divisão sociossexual do trabalho, utilizando-se então disso, em nome de uma burla, típica da razão instrumental, no seu pior momento, pois nós vivemos a fase mais destrutiva da razão instrumental sob hegemonia do capital financeiro e um período de crise estrutural prolongada, que agora atinge o fundo do poço, o lodo do poço; o que estamos vendo é uma corrosão, um desmoronamento, uma eliminação dos direitos do trabalho.
Qual a maior consequência disso? Nós teremos uma massa de trabalhadores sem condições de sobrevivendo, tangenciando uma fome profunda; as crianças vão as escolas públicas para se alimentar e esse é o capitalismo na sua expressão brasileira periférica e do sul do mundo, nós também teremos uma fase que estampa a sua tragédia em sua contradição, e pra pandemia não ser mais brutal é preciso que haja isolamento e a população trabalhadora precisa ficar em casa, senão ficarem, porque tem que sobreviver, elas adoecem e vão morrer em maior quantidade. O primeiro hiperativo desse momento, essa é, a luta decisiva hoje, a luta central hoje é que nenhum trabalhador fique sem salário, porque precisa alimentar a sua família e não me venha com os 200 reais do Guedes, porque isso é a expressão da indigência do mundo que nós estamos, da indigência periférica e nem 600 reais que não paga sequer o custo pra trabalhar dessa classe trabalhadora, quem é que consegue alugar um quarto com banheiro e cozinha numa comunidade por 400 reais que sobre 200 pra comer resto de comida? É vexatório e inaceitável, é necessária uma renda que permita ao trabalhador sustentar a si e a sua família.
As consequências mais profundas disso decorre do isolamento enquanto condição para sobrevivência e as manifestações de massa e de rua, onde ele poderia externar a sua completa condição precária de vida, elas não podem ocorrer, porque ampliaram as possibilidades de agravamento da crise do coronavírus, que afetará as classes trabalhadoras que não terão hospitais, mesmo o SUS sendo um sistema digno, ele vem sendo destroçado pelos governos neoliberais, sobretudo com o Temer e tornou-se acintoso com a PEC do fim do mundo que impede que novos recursos sejam feitos, então este governo está incapacitado de fazer isso e qualquer governo deveria drenar todos os recursos para salvar a vida da sua população trabalhadora.
Contrapoder: Quais os desafios políticos e sindicais mais urgentes?
Ricardo Antunes:Os desafios são profundos, os desafios políticos e sindicais são primeiro apresentar um conjunto de reivindicações absolutamente imprescindíveis, por exemplo: a primeira é que todos os trabalhadores precisam ter direito de remuneração para sua sobrevivência e da sua família, a segunda é que não é possível mais trabalhadores na informalidade, esse é o desafio dos sindicatos, lutarem pela revogação da contrarreforma trabalhista do Temer. O trabalho intermitente, negociação individual, prevalência do negociado sob o legislado, devem ser abolidos da pauta social da classe trabalhadora, isso é vital.
Onde tem trabalho intermitente, parcial e trabalho sem direitos, em condições normais é brutal, em condições catastróficas e de calamidade é um inferno, enquanto as classes ricas e as classes medias altas podem se fechar e se isolar nas suas casas com seus privilégios, o máximo do sofrimento que elas tem é não poder sair as ruas, os pobres vivem um vilipendio muito maior, não tem casas dignas pra fazer o seu isolamento e são obrigadas a sair pra procurar um trabalho pra não morrer de fome.
Contrapoder: Qual deveria ser a atitude dos sindicatos para minimizar os efeitos perversos das crises sobre as condições de vida dos trabalhadores?
Ricardo Antunes: Os sindicatos e os partidos tão obrigados a repensar um novo modo de vida, não é mais possível aceitar esse mundo atual capitalista profundamente destrutivo, destrói a natureza, destrói o trabalho, aumenta as opressões de gênero, raça e etnia, aumenta as discriminações contra a população LGBT, vilipendia as comunidades indígenas, que mundo é esse? E ainda temos uma parte da esquerda que tenta consertar o incontestável. O desafio das esquerdas sociais, politicas e sociais é reinventar um novo modo de vida, aqui tem um ponto que considero muito importante, talvez o elemento mais importante que possa nascer dessa luta brutal que a classe trabalhadora está fazendo pra sobreviver nas periferias, nos bairros operários e nas comunidades populares, é a auto-organização.
Desse governo que é um desgoverno, que combina o desiquilíbrio de um indivíduo, que não há qualificativo, tá certo? Individuo esse cuja desqualificação e desiquilíbrio cria um ideário fascista, excludente e brutal; completamente subserviente aos interesses do império norte-americano e que implementa uma política destrutiva desde o começo que não faz outra coisa senão destroçar a res-pública (tudo que é público e que funciona nesse pais) o ultimo exemplo de monta foi a destruição da previdência publica que terá que ser revogada. Ou seja, a auto-organização popular, talvez seja o principal elemento desse período, porque a fragilização dos sindicatos e a acomodação dos seus setores mais cupulistas e conciliadores, a acomodação dos seus setores mais burocratizados e apelegados, ainda que com aparência de um neo-peleguismo de tipo negocial tem mostrado que essas entidades estão incapacitadas de representar o conjunto compósito e heterogêneo que compõe a classe trabalhadora hoje.
É preciso então reinventar um sindicalismo de classe, ideologicamente autônomo, fundado nos interesses da classe trabalhadora e que não tenha nenhuma ilusão em relação ao papel do estado, o estado tem que ser pressionado a tomar medidas que beneficiem a classe trabalhadora em momentos como esse, não se pode ter ilusão de que o estado será o ente político capaz de transformar a sociedade. As esquerdas majoritárias e dominantes não podem mais continuar desenvolvendo isso; o desafio da esquerda social se quiser se reinventar, precisa se colar aos interesses cotidianos dos trabalhadores e não ter vergonha de apresentar um novo projeto humano e social, um novo modo de vida, visto que ela fica com medo de apresentar pra não perder a eleição, e aí não ganha a eleição e não apresenta nada de novo e quando ganha faz o que a direita gosta.
É uma tragédia, ao passo que a extrema-direita no mundo inteiro está assumindo uma posição agressiva, antissistema ‘capaz de mudar o mundo’ ao passo que ela é um inferno de Dante, ela é propriamente a possibilidade da finitude a vida civilizada.
Contrapoder: Na Itália explodiram greves selvagens, porque o governo inicialmente não decretou quarentena total, acha que pode acontecer no Brasil?
Ricardo Antunes: Claro, a manchete da Folha de SP (29/03) é que a população não tem alimentos e começa a sair em busca de alimentação. Quando a população se vê ante ao desespero completo e percebe que o estado e governos não tomam medidas pra minimizar isso, quais alternativas ela tem? É evidente que teremos manifestações desse tipo como na Itália e hoje há fotografias que mostram a população italiana tomando supermercados porque está com fome, e sabemos que a Itália não é famélica como nós, não é uma tragédia estrutural como aqui, onde a fome é parte do cotidiano da classe trabalhadora.
Além disso é muito importante porque agora tem uma grita dos empresários predadores e predatórios, que é onde se enquadra uma parte muito grande do empresariado brasileiro, quase a sua totalidade pedindo a volta ao trabalho, mas como a população trabalhadora vai fazer? Ela vai voltar as fabricas pra se contaminar? Vai voltar aos call-center e pra esse mundo uberizado? Ela vai deixar de fazer o isolamento social sabendo que ela corre risco muito maior de ser contaminada? Quando estamos vendo no Brasil evidencias de que uma parcela não inexpressiva, abaixo de 60 anos está sendo contaminada, em certo mais que diferencia um pouco da Itália. Essa população vai ter que ter por parte dos sindicatos e órgãos de defesa, de que os trabalhadores não vem aceitar o chamamento das empresas, salvo os trabalhos que são absolutamente vitais pra sobrevivência da população, como médicos, o trabalho das enfermeiras e técnicos, sem os quais a vida humana não é salva, entre outros, a população não deve trabalhar e quem tem trabalho deve receber seu salario e os desempregados devem ser pagos pelo estado uma renda que permita sua sobrevivência, esse e o imperativo da nossa questão.
Contrapoder: A longo prazo, quais os impactos da crise do coronavírus na economia?
Ricardo Antunes: Não é a longo prazo, é já; um modelo fundado na acumulação capitalista, de intensa exploração do trabalho, na corrosão dos direitos, em absoluto abandono e da quebra da legislação do trabalho, terá como resultado uma intensificação desse quadro de recessão econômica mundial, portanto, brasileira, uma redução significativa dos níveis de crescimento na China, com consequências profundas em praticamente todos os pais do mundo, sendo que o Brasil tem na china um dos polos vitais das suas exportações.
Aqui coloca a nu a essência perversa e destrutiva desse modo de ser do capitalismo, que destrói o trabalho e a humanidade, que destrói a natureza, que explora e oprime missa intensamente as mulheres, negros e negras, os indígenas e as indígenas, que impede a felicidade da juventude, a liberdade de ação dos LGBTs e etc. Nós temos que reinventar um novo modo de vida.