Análise de Conjuntura nº 001/2020 — EFS

1. Aao longo de um ano de mandato Bolsonaro conseguiu unificar os diversos “partidos” que compõem o governo em torno de sua liderança política e de sua perspectiva fascista; avançou na aplicação da plataforma neoliberal extremada reforçando sua aliança com o “partido financeiro” e acelerou um processo de fascistização do aparelho de Estado e de deterioração ainda maior da legalidade liberal democrática vigente.

2. Durante este tempo Bolsonaro conseguiu esvaziar o protagonismo político de setores e/ou figuras que rivalizavam com sua liderança e poderiam disputar a direção política do governo e da extrema-direita com ele, como os militares e Sérgio Moro. Com Sérgio Moro agiu de modo ostensivo, expondo-o ao descrédito, forçando sua subserviência em diversos assuntos caros ao “lavajatismo” e tornando-o refém do cargo diante da possibilidade de um processo criminal. Com os militares Bolsonaro foi mais sutil, aumentando os gastos militares, apoiando seus projetos estratégicos, privilegiando seus escalões superiores na reforma da previdência, afastando ou submetendo os que pretendiam operar com autonomia no interior do governo (Santos Cruz e Mourão) e reforçando sua presença não só em diversas áreas técnicas, mas na própria articulação política do governo. Mesmo que sob a mediação do Congresso, conseguiu aprovar diversas medidas fundamentais da plataforma neoliberal extremada, como a reforma da previdência, que interessam diretamente a todas as frações do capital; o que lhe permitiu reforçar o apoio do empresariado bolsonarista e conquistar a conivência do restante do bloco no poder, apesar das denúncias de envolvimento com o crime organizado e das pretensões cesaristas. Por conta desta postura conivente do bloco no poder, da grande mídia, do sistema de representação política e do judiciário Bolsonaro escala a crise ocupando as diversas instâncias burocráticas do aparelho de Estado, além dos cargos do governo, com elementos bolsonaristas ou oportunistas de variados tipos, que aderem ao ideário fascista defendido pelo presidente e tornam-se “tropa de choque” de sua escalada autoritária. Além da forte adesão que possui entre as polícias estaduais e os baixos e médios escalões das Forças Armadas, o bolsonarismo avança na Polícia Federal, no Judiciário, no Ministério Público, na Receita Federal, nas burocracias acadêmicas, nas fundações e autarquias, etc. Ao mesmo tempo Bolsonaro testa a vitalidade das instituições liberal-democráticas o tempo todo, “esticando a corda” em torno dos mais variados temas e colocando em xeque sua capacidade de barrar um golpe fascista. Nesta empreitada Bolsonaro disputa palmo a palmo com o centro-direita a direção política do bloco no poder, afrontando o Congresso, o STF, os setores não-bolsonaristas da grande mídia, os governadores de oposição e o sistema de representação política em geral. Desde que tomou posse Bolsonaro atua para fechar definitivamente o regime, substituindo a democracia liberal-representativa restrita, atualmente vigente, por um regime fascista.

3. Esta perspectiva é cada vez mais anunciada e radicalizada quanto mais se intensificam as dificuldades do governo nos planos econômico, político e social. No plano econômico, a aplicação do receituário neoliberal extremado tem aprofundado a recessão econômica, a redução dos já baixos investimentos internos e externos, a queda acentuada da renda salarial, a deterioração do mercado de trabalho, a queda do mercado consumidor e a ampliação da vulnerabilidade externa. A tendência recessiva da economia mundial se reflete internamente na redução das exportações e de seu valor, num processo acelerado de desvalorização cambial e ataque especulativo ao Real e na piora nas contas externas e na tendência de déficit nas transações correntes. Na verdade, a política econômica de Paulo Guedes, de corte de gastos, privatizações e redução dos investimentos públicos, é impotente para reverter a tendência recessiva, acelerando a crise econômica. No plano social, ocorre um processo de intensa expropriação de direitos e super- exploração da força de trabalho, além da política de desmonte dos serviços públicos e das políticas sociais compensatórias que se manifesta na atual crise do INSS, na crise do SUS e no corte radical dos benefícios do Bolsa Família, atingindo diretamente os setores mais vulneráveis da população. No plano político, Bolsonaro tem cada vez mais dificuldades para se fortalecer no sistema de representação política e viabilizar eleitoralmente sua corrente política. Apesar de todo o apoio das igrejas evangélicas e da conivência do TSE à uma série de irregularidades, Bolsonaro fracassou na criação do seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil, tendo que apelar cada vez mais à mobilização plebiscitária de sua base social e à ação subversiva de setores do aparato repressivo, como as polícias estaduais, para demonstrar força e capacidade golpista. Estas dificuldades revelam uma tendência de crescimento do descontentamento popular com o governo, particularmente entre os setores proletários mais afetados pela crise econômica e social. Mesmo os setores médios não-bolsonaristas, mas que votaram em Bolsonaro em 2018 revelam uma insatisfação crescente com o governo. No entanto, contraditoriamente a fragilidade política do governo, somada ao recuo da oposição de esquerda no campo da luta política e ideológica, fortaleceu ainda mais a perspectiva golpista de Bolsonaro e seus aliados.

4. Por outro lado, o centro-direita e a esquerda mostraram-se incapazes de conter a escalada autoritária e de afronta permanente à restrita legalidade liberal democrática por Bolsonaro e seus aliados. A libertação de Lula, manobrada pelo centro-direita com vista à criação de uma polarização com o bolsonarismo que, em tese, favoreceria a emergência de um pólo “moderado” na cena política, não surtiu o efeito esperado. Isto porque, de um lado Lula e o PT abdicaram (e continuam abdicando) do “Fora Bolsonaro” e da mobilização de massas, apostando na oposição institucional, na disputa eleitoral deste ano (haverá?) e na conciliação política. Em grande medida por conta disto, o esperado “Chile brasileiro”, um movimento ativo e permanente de desobediência civil, não aconteceu! De outro lado, o centro-direita foi engolido por sua própria adesão ao golpe e pela conivência do bloco no poder com Bolsonaro (afinal, Bolsonaro é a radicalização do golpe e de sua pauta econômica), além de sua própria fragmentação e da disputa surda entre futuros “presidenciáveis” neste campo político (Maia, Huck, Dória, etc).

5. A impotência da oposição de centro-esquerda, ainda dominada pelo lulopetismo em crise, revela não apenas os limites da ação meramente institucional nesta situação de democracia restrita e a falência da política de conciliação de classes frente à ofensiva burguesa contra os trabalhadores, mas a ausência de um projeto estratégico, mesmo que nos marcos do antineoliberalismo, e as enormes dificuldades de mobilização causadas pela reforma trabalhista, pelo processo de “uberização” do mercado de trabalho e pelos efeitos desmobilizadores do longo período de transformismo e passivização petista sobre os movimentos e direções políticas e sociais dos trabalhadores. A crise dos sindicatos, financeira e de representatividade, é apenas a ponta do iceberg deste fenômeno. A adesão de governadores da oposição de esquerda à reforma da previdência nos seus estados é sintomática da ausência de um projeto estratégico de perfil antineoliberal. Por conta destas dificuldades, a composição de uma frente ampla reunindo os setores de oposição do campo antigolpista não se viabilizou, não indo além de propostas de coligação eleitoral aqui e acolá. Pior ainda, no campo eleitoral as forças majoritárias do centro-esquerda, como PT, PDT, PSB e PC do B, revelam disposição de aliança com partidos e lideranças golpistas, numa rendição completa ao eleitoralismo e à acomodação com o Golpe de Estado de 2016. Na verdade, a oposição de esquerda demonstra-se refém da “nova chantagem do mal menor”, ou seja, “ruim com o centro-direita, pior com Bolsonaro!”.

6. É neste cenário de ofensiva bolsonarista sobre o aparelho de Estado e a legalidade liberal democrática ainda vigente que estouram a “guerra do petróleo” entre a Rússia e a OPEP/EUA e a pandemia do corona vírus. A crise de acumulação já evidente na economia mundial, fruto da combinação entre super-liquidez financeira, estagnação econômica e juros baixos, explodiu com a queda acentuada nos preços do petróleo e a perspectiva de interrupção das atividades econômicas por conta da pandemia; levando à queima brutal de ativos financeiros, à um curto-circuito na articulação entre produção, distribuição e circulação e à uma recessão econômica. No Brasil, a recessão econômica, em curso desde 2014 e agravada pelo baixo investimento produtivo, pelas reformas neoliberais extremadas e pela política de ajuste fiscal do governo Bolsonaro, se intensificou com a queda nas exportações, a desvalorização cambial e a evasão de capitais, alimentando uma tendência de déficit na balança de pagamentos. Neste sentido, a crise mundial e a pandemia do corona vírus tendem a acentuar ainda mais a crise econômica, social e política, particularmente porque o governo não apresenta capacidade de enfrentá-las a contento por conta de sua fidelidade doutrinária ao neoliberalismo extremado, do verdadeiro desmonte dos instrumentos capazes de realizar políticas anticíclicas (BNDES, estatais, bancos públicos, políticas sociais e ambientais), bem como pela própria camisa de força imposta pela situação de desvalorização monetária e déficit fiscal. De um lado, a desvalorização cambial, estimulada pelo próprio governo visando a compra dos títulos da dívida pública, agravou um quadro já dramático, pois, apesar das sucessivas reduções nas taxas de juros os investimentos produtivos continuaram baixos por conta das incertezas quanto ao cenário político do país, estimulando a fuga de capitais e a tendência de déficit na balança de pagamentos. Ambas as situações dificultam o combate à crise no plano monetário, pois se o governo tentar valorizar o real jogando dólares no mercado, queima ainda mais reservas cambiais, reforçando a tendência de déficit na balança de pagamentos; porém, se abaixar ainda mais os juros para estimular os investimentos produtivos, pode estimular maior fuga de capitais, que procurarão aplicações “mais seguras” e com maior retorno em outros mercados. Por outro lado, o quadro de rigidez fiscal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei do Teto de Gastos, somado à tendência de déficit motivada pelo crescimento dos gastos públicos com a dívida pública, impedem a adoção de políticas anticíclicas de investimentos públicos e aumento dos gastos sociais. Daí que a primeira reação de Guedes à crise foi defender “mais reformas” para o governo “fazer caixa”, ou seja, mais privatizações (da Eletrobrás, por exemplo), corte de salários dos servidores públicos (reforma administrativa), submissão dos governos estaduais ao ajuste fiscal imposto pela União (reforma tributária), além do corte de gastos sociais com a redução dos beneficiários do Bolsa Família e a crise intencional do INSS que compromete a concessão de benefícios a milhões de trabalhadores. Isto quer dizer que nos marcos da perspectiva neoliberal extremada adotada pelo governo a crise econômica e social deve se agravar ainda mais.

7. Neste cenário de crescentes dificuldades o governo Bolsonaro apostou ainda mais na escalada fascista, estimulando o ativismo das polícias estaduais, predominantemente bolsonaristas, ao apoiar o motim da polícia cearense e a ação da polícia baiana na execução de Alexandre da Nóbrega; ao inventar uma crise com o Congresso em torno da disputa pelo orçamento e ao convocar sua base para manifestações contra o Congresso e o STF e pelo fechamento total do regime.

8. Porém, o fracasso das manifestações do dia 15 de março, que foram pouco expressivas quando comparadas à outras manifestações da extrema-direita, posto que mobilizaram apenas os setores bolsonaristas mais alucinados, somado à pouca eficácia das medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Economia (voltadas apenas para estimular a demanda, não o investimento produtivo, nem a proteção de empresas e de empregos) e à postura presidencial de negar a gravidade e abrangência da pandemia, geraram um processo acelerado de isolamento político do governo. As manifestações de 15 de março mobilizaram basicamente os setores mais radicais do bolsonarismo, principalmente de classe média alta, ideologizados por um mix de irracionalismo, defesa de privilégios, preconceito e autocratismo fascista, que enxerga na ditadura bolsonarista a solução para todos os males. O desdém pelos evidentes riscos de contaminação pelo corona vírus, demonstrado pelo próprio presidente, conferiu um ar ainda mais caricato, mas ao mesmo tempo obsceno e inconveniente às manifestações diante da gravidade da situação. Mesmo entre alguns bolsonaristas a manutenção dos atos foi considerada tremendamente inoportuna. Em resposta, o governo anunciou um conjunto de medidas voltadas exclusivamente para aquecer a demanda, que se limitam à antecipar o pagamento de benefícios, retardar o vencimento de determinados encargos e tributos, capitalizar bancos médios e pequenos para aumentar sua capacidade de crédito, recompor modestamente o quadro de beneficiários do Bolsa Família (bastante desfalcado nos últimos meses com o corte drástico no número de atendidos) e oferecer um auxílio financeiro para trabalhadores informais, autônomos e desempregados tão baixo que beira o escárnio (menos de um quinto do salário mínimo). No plano do combate à pandemia do corona vírus os governos estaduais e municipais adotaram medidas muito mais efetivas que o governo federal, enquanto o presidente limitou-se a negar a gravidade da pandemia e a desautorizar determinadas iniciativas tomadas pelo Ministério da Saúde no sentido de suspender atividades e orientar que as pessoas ficassem em casa. O cálculo predominante era de que a economia deveria continuar funcionando a todo o custo, sob o risco do governo perder apoio do bloco no poder.

9. Para muitos que votaram em Bolsonaro em 2018 e ainda alimentavam uma expectativa positiva, ou, no mínimo, condescendente com a sua administração, o comportamento do governo diante da crise revelou sem rodeios sua verdadeira face antipopular, antinacional e obscurantista. Os atos e a greve dos servidores públicos convocados pelos sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda para o dia 18 de março contra as novas reformas neoliberais, principalmente a reforma administrativa, se transformaram no “Fora Bolsonaro!”, em panelaços contra o governo e pelo impeachment que se repetiram por três dias seguidos em todo o país. Além do amplo arco de setores antibolsonaristas, que patrocinaram grandes manifestações contra o governo no primeiro semestre de 2019, desta vez o protesto teve a adesão de setores de classe média, inclusive a classe média alta, que antes constituíam uma base social de apoio passivo ao governo por conta de seu acentuado antipetismo e agora estão atemorizados pela perspectiva de contaminação e de um longo período de dificuldades econômicas, ampliando ainda mais a crise de legitimidade do governo. A trinca na base de apoio ao governo atingiu até mesmo setores do capital, como o agronegócio e o grande comércio varejista, afetados pela queda nas exportações, pelas trapalhadas diplomáticas com a China e/ou pela alta do dólar. Diante deste quadro o governo reagiu solicitando ao Congresso “estado de calamidade pública”, o que lhe possibilita ampliar gastos, e apoiando a saída burguesa para a crise ao autorizar o direito à redução salarial pela metade, as demissões indiscriminadas e a suspensão de serviços e empreitas pelos contratantes, além de socorrer financeiramente grandes empresas em dificuldades.

10. Diante deste quadro é possível afirmar que a crise econômica, social e política tende a se agravar, pois a insistência do governo em manter a orientação neoliberal na política econômica impede a retomada de um ciclo expansivo e a recomposição dos serviços públicos, principalmente na área da saúde. Enquanto isso o avanço da contaminação pelo corona vírus, fortemente acelerado nos últimos dias e tendente a crescer, deve vitimar não apenas os que apresentam fatores de risco (idosos, portadores de doenças crônicas), mas amplos setores da população por conta de condições sanitárias e econômicas precárias, da precarização do SUS, da desinformação e do próprio obscurantismo alimentado por estelionatários religiosos e por bolsonaristas. A esse quadro se soma a paralisação parcial das atividades econômicas por conta da necessidade de isolamento domiciliar, que atingiu principalmente o setor de serviços, responsável por 75% do PIB brasileiro. Os setores sociais economicamente mais vulneráveis, trabalhadores precarizados e desempregados, serão os mais atingidos por uma combinação explosiva entre baixos (ou ausentes) rendimentos, adoecimento, fome e carência absoluta dos bens necessários à reprodução mínima da vida. Este nível de esgarçamento do tecido social pode levar não só à situações de desobediência civil, saques e outras formas de expropriação e de insurgência espontânea, mas ao aumento da criminalidade e da violência, colocando em xeque não apenas o governo, mas a própria democracia restrita e aguçando ainda mais a crise de hegemonia.

11. Nesta situação podemos vislumbrar três cenários:

12. Um golpe por parte do governo a partir da decretação de um estado de sítio, com apoio das bases bolsonaristas nas polícias e nas Forças armadas e com base na necessidade de adoção de medidas drásticas e impopulares e numa campanha nas redes sociais bolsonaristas apresentando um cenário de caos no país. Apesar dos riscos sistêmicos, a aventura golpista pode contar com amplo apoio burguês e do próprio campo político de centro-direita desde que apresente um caráter “temporário” (aposta temerária, porque imprevisível e dirigida por um fascista), sufoque repressivamente a crise social e política e garanta uma saída burguesa para a crise econômica combinando políticas de alívio social, privatizações, ataque ao serviço público (já há quem diga na grande mídia não bolsonarista que os salários dos servidores públicos devem ser reduzidos para contribuir no aumento dos gastos), ajuste fiscal e arrocho salarial. O êxito desta iniciativa é bastante incerto, principalmente no médio prazo, mas será uma tragédia para o conjunto da esquerda (partidos, sindicatos, movimentos sociais, etc.), com a decapitação de sua direção e o desmonte de grande parte suas estruturas organizativas.

13. Um movimento de acomodação do governo com o centro-direita e a esquerda institucional em torno da demissão de Guedes, da mudança na política econômica e da constituição de uma espécie de “governo oculto” comandado por Mourão e pelos militares mais lúcidos com interlocução com as lideranças do “Centrão”, com Rodrigo Maia à frente, mas com Bolsonaro no cargo. Tal cenário se justificaria para amplos setores do bloco no poder como mais viável para evitar as consequências imprevisíveis de um processo de impeachment e para a “pacificação” necessária para a adoção de medidas que enfrentem a crise sem penalizar o capital, algo como um neoliberalismo que transita conjunturalmente entre suas vertentes moderadas e extremadas, mas contemplando elementos desenvolvimentistas. O plano B neste cenário seria a renúncia “espontânea” de Bolsonaro e a ascensão formal de Mourão à Presidência, em troca do engavetamento dos processos contra o clã presidencial e da sua sobrevivência política no futuro.

14. Um clamor social generalizado pelo impeachment, que seria disputado pela centro-direita e pela centro-esquerda. O primeiro disputaria o processo de impeachment com base na demonização de Bolsonaro (“Bozo é demente, burro, despreparado para o desafio da crise, etc”), mas não das políticas do golpe e nem do restante do governo (Mourão assume). Na ausência de grande mobilização social, por conta da quarentena, o centro-direita operaria um impeachment “à frio”, “por cima”, numa manobra parlamentar e judicial que necessariamente contará com o apoio dos militares para conter a reação das bases bolsonaristas (que sairão às ruas porque, afinal, a pandemia é uma invenção do marxismo cultural, não é mesmo?). O centro-esquerda o faria em torno da crítica do neoliberalismo extremado e do fascismo, apostando em alguma acomodação com o governo Mourão em torno da manutenção do calendário eleitoral, de sua própria sobrevivência política e institucional e da manutenção da democracia restrita vigente.

15. Para a esquerda socialista, calcada em um programa antiimperialista e anticapitalista, a crise abre a possibilidade de voltar a dialogar com o conjunto dos trabalhadores (formais e informais) e setores médios em torno de uma proposta ética, política e econômico-social que defenda a solidariedade radical com os mais vulneráveis física e economicamente; que denuncie sem concessões a incapacidade não só do neoliberalismo e da extrema direita em resolver a crise e atender minimamente as necessidades sociais e sanitárias geradas pela crise, mas do próprio capitalismo, enquanto modo de produção que privilegia a valorização do capital, a apropriação privada e o ganho individual acima de qualquer valor humanitário e interesse coletivo. O neoliberalismo extremado aliado à perspectiva fascista, fundamentos político-ideológicos do governo Bolsonaro, são nada mais do que a manifestação nua e crua, sem mediações políticas e sociais, sem remissão, da própria lógica do capital. Ainda mais sob vigência de uma crise estrutural, em um país de capitalismo dependente e subalterno, que como tal superexplora sua força de trabalho e edifica um fascismo social, de um lado, e que acentua os elementos fascistas no sincrético Estado autocrático-burguês, de outro lado. Exemplos diários e evidentes de funcionamento desta lógica não faltarão durante esta crise. Portanto, tendo em vista a resistência calcada na crítica ao capitalismo e a perspectiva de transformação social, reitera-se: a interlocução com os trabalhadores e setores médios deve assumir uma dimensão inequivocamente antiimperialista e anticapitalista.

16. Esta pauta deve se desdobrar no plano imediato na proposta de revogação da EC 95/2016(Lei do Teto de Gastos), da reforma da previdência e da reforma trabalhista e das outras medidas antipopulares tomadas desde o Golpe de Estado de 2016 (lei da terceirização, privatizações, etc.); na destinação de vultosos recursos públicos para investimentos em saúde, saneamento, educação, moradia, transporte e meio ambiente por sua capacidade distributiva e anticíclica; na concessão de auxílio econômico para todos os trabalhadores desempregados e precarizados (informais, autônomos) em valor suficiente para garantir sua sobrevivência digna; na licença remunerada, sem redução dos salários, para todas as atividades econômicas não-essenciais durante o período de quarentena, caso contrário os trabalhadores devem entrar em greve por interesse social. Os serviços essenciais devem continuar operando em condições sanitárias e de locomoção garantidas pelas empresas. Estabilidade no emprego pelo menos até o final da quarentena. Por fim, as medidas que perspectivam a derrota do golpe: “Fora Bolsonaro e Mourão”, impugnação das eleições de 2018, novas eleições, revisão das sentenças da Lava-jato, libertação definitiva de todos os presos políticos. A retomada das ruas, com protestos e manifestações massivas, e a organização da resistência nos locais de trabalho, estudo e moradia, com a criação de mecanismos de discussão e deliberação dos trabalhadores e greves, que deverão acontecer e se ampliar na medida em que a situação social piorar, são condicionantes para a efetivação desta perspectiva política. A quarentena é um obstáculo importante à estas iniciativas, mas não deve ser motivo de inação e de apatia, mesmo porque, esta é uma luta dura e para um largo período de tempo. De todo modo, se ocorrer um golpe bolsonarista temos que ir para a rua custe o que custar!

Pedro Jorge de Freitas

Professor da UEM, pesquisador nas áreas de revolução, partido político e consciência operária.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *