O avanço galopante da epidemia de coronavírus e da crise econômica põe a sociedade brasileira diante de provas cruciais. Na ausência de uma política nacional para conter a difusão exponencial do vírus, o colapso do sistema público de saúde será rápido e acachapante. Na falta de medidas anticíclicas extraordinárias para contrabalançar a abrupta desorganização da produção, a queda vertiginosa da demanda agregada e o espectro de uma crise de crédito monumental, o país viverá uma depressão econômica sem precedentes.
O caráter inédito da crise epidemiológica em curso não permite realizar previsões precisas sobre a evolução da doença e sua duração. Mesmo assim, o Imperial College of London adverte que se trata da ameaça mais séria à saúde pública causada por um vírus que afeta as vias respiratórias desde a gripe espanhola em 1918. A julgar pelos cenários montados, baseados nas estimativas do número de doentes graves que não poderão ser atendidos pela emergência, o número de óbitos será dantesco. Estudo preliminar de pesquisadores da Universidade de Oxford, divulgado pelo Intercept, estima que no Brasil os mortos serão da ordem de 480 mil. Isso supondo que 40% da população seja infectada, uma hipótese conservadora, pois o número de infectados pode alcançar mais que 60% da população.
Os efeitos disruptivos agudos provocados pela pandemia de coronavírus sobre a economia mundial serão rápidos, profundos e traumáticos. O desemprego e a pobreza explodirão. Na melhor das hipóteses, a pandemia será contida em seis meses, mas pode se arrastar por 18 meses. Todas as estimativas de crescimento da produção estão sendo revistas radicalmente para baixo. A previsão do World Economic Prospect, por exemplo, é de que o desempenho da economia mundial em 2020 será próximo de zero, a pior marca em 50 anos. No Brasil, muitas consultorias já trabalham com o cenário de uma profunda recessão, algumas consideram a possibilidade de uma queda de 5% no PIB anual — algo inédito na história moderna do país desde a crise de 1929.
Por trás da pantomima em que se transformou a patética figura do Presidente, seu governo, por ação e omissão, orienta-se por critérios nada inocentes. Do ponto de vista mais geral, a resposta da República dos Delinquentes às crises que abalam a vida nacional prioriza o interesse econômico sobre a saúde, o capital sobre o trabalho, “os de cima” sobre “os de baixo” e os “saudáveis” sobre os “debilitados”. Quando visto da perspectiva do conjunto da população, trata-se de um governo imoral.
Na saúde, tal orientação se traduz numa política verdadeiramente genocida. Trata-se de combinar de maneira perversa a negação do problema e a desinformação sistemática (o coronavírus não passaria de uma “gripezinha”), deixando a epidemia correr solta, com políticas de mitigação e supressão do coronavírus destinadas sobretudo às classes médias e altas, jogando nas costas da população pobre o sacrifício decorrente do ciclo de imunização em massa necessária para que o vírus deixe de circular. A monstruosidade dessa estratégia fica patente quando se consideram os efeitos práticos muito desiguais das medidas radicais da quarentena domiciliar num país em que um a cada quatro moradores das grandes cidades vive em favela ou cortiço, a população carcerária chega a quase 800 mil pessoas e centenas de milhares vivem em situação de rua. Até o momento, as autoridades não apresentaram nenhum plano concreto para evitar o holocausto dessa ampla camada da população.
Na economia, a política é macabra. A estratégia é aproveitar o pânico e a confusão provocados pela dupla crise para reforçar os negócios e aguçar a espoliação dos trabalhadores. O espírito ultraliberal que orienta Paulo Guedes fica patente na Medida Provisória 927 — a MP da escravidão -, que cria todas as facilidades imagináveis para que os empresários se livrem dos trabalhadores rapidamente, sem ônus pecuniário algum, contemplando inclusive a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses sem nenhum salário — medida tão absurda e descabida que, após forte comoção nas redes sociais, acabou sendo retirada do corpo da MP pelo próprio governo.
Para evitar a catástrofe sanitária, econômica e social, os critérios que orientam a ação do Estado devem ser radicalmente invertidos. Todos os recursos públicos — fiscais, monetários, financeiros, pessoais e materiais — têm de ser dirigidos para garantir os direitos fundamentais à vida e à dignidade humana. A saúde da população e a defesa da economia popular devem ser colocadas à frente dos interesses econômicos.
Na saúde, o combate ao coronavírus deve ser pautado pela garantia do direito de todas as pessoas ao isolamento social em condições de segurança sanitária; bem como pela garantia do direito ao acesso aos testes, aos meios de prevenção e aos tratamentos existentes. Em tempos extraordinários, medidas extraordinárias. Tais direitos requerem uma série de ações urgentes: paralisação imediata de todas as atividades não essenciais com garantia de emprego e renda; abertura de espaços em hospitais equipados para o isolamento de moradores de favelas, presidiários e população em situação de rua que forem contaminados — o que requer a ampliação da rede hospitalar pública; imediata estatização de hospitais privados; construção de hospitais de campanha e abrigos improvisados em prédios e galpões ociosos; compra maciça de respiradores; teste em massa dos casos suspeitos; distribuição gratuita de máscaras, álcool gel, medicamentos; e a busca de tudo que estiver ao alcance da técnica para a assistência aos doentes.
Na economia, a política econômica deve priorizar a mobilização de todos os recursos produtivos do país, públicos e privados, para o enfrentamento da pandemia, a defesa do emprego, a garantia de renda mínima digna para todos os cidadãos e o pleno abastecimento de produtos essenciais para a sobrevivência da população. O critério é simples. A vida deve estar à frente do lucro e do pagamento da dívida. O momento exige uma verdadeira economia de guerra. Os interesses privados que aproveitam o desespero provocado pelo duplo choque que abala a vida nacional como oportunidade para aumentar a exploração do trabalho e a concentração da riqueza, como Guedes tem feito, não podem preponderar mais como razão de Estado.
A guerra contra a barbárie capitalista exige que o Estado suspenda por tempo indeterminado todas as despesas com serviço da dívida pública, estatize o sistema financeiro e centralize todas as operações em moeda estrangeira, condições necessárias para que se possa evitar a completa desorganização do sistema produtivo e financeiro e obter pleno controle sobre a política fiscal, monetária e cambial. Deve-se também colocar sob controle estatal os setores produtivos essenciais para que todas as forças produtivas do país sejam utilizadas com um único propósito: o combate da epidemia e a sobrevivência material da população.
O enfrentamento das crises da saúde e da economia que abalam a sociedade brasileira depende de uma profunda mudança política. Derrubar Bolsonaro tornou-se um imperativo humanitário. É a tarefa premente. Para não trocar seis por meia dúzia, ele deve ser deposto de baixo para cima pelo povo na rua. É preciso bater panela para acordar a população brasileira para a necessidade de mudanças estruturais! Greve geral pela deposição imediata de Bolsonaro e Mourão! É hora de os trabalhadores lutarem contra a barbárie que se avizinha.